segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Moçambique: uma simulação de guerra a dois?



Quando a RENAMO, o maior parido da oposição em Moçambique, decidiu pressionar o Governo com subtilezas belicistas, como o retorno do seu presidente as suas bases militares e os seus discursos, pensei: o país começa a assistir a uma segunda leva de democracia. Afinal as exigências que alavancavam tais posições eram válidas e tinham barbas brancas, como por exemplo a paridade eleitoral. É preciso fazer evoluir o contexto de democracia, não basta apenas conquista-la. Ou se quisermos, é preciso preencher o conceito na totalidade.

Não quero com isso dizer que os fins justificam os meios, mas não nos esqueçamos que a pseudo-democracia que Moçambique hoje vive também foi fruto de uma guerra. E disso sabe tão bem Afonso Dhlakama que até se intitula "o pai da democracia", tal como a FRELIMO acha que o povo tem uma dívida eterna para com ela pela conquista da independência.

As cores da (In)Constituição

Para o Governo e o Presidente do país, Armando Guebuza, fazerem a sua demonstração de força face a supremacia táctico-militar da RENAMO, atacou e tomou as suas bases usando como justificação a Constituição que diz que nenhum partido pode estar armado. Ora, antes das forças das armas terem sido usadas como moeda de negociação na crise política entre as duas partes a lei mãe foi desrespeitada continuamente nos últimos 21 anos sob olhar sereno e tranquilo das autoridades. Um ingenuidade ou excesso de confiança de um Governo com larga experiência de governação?

Mas podemos recuar um pouco até 1992, altura em que a RENAMO e o Governo da FRELIMO assinaram o acordo geral de paz que também veio a ditar a revisão da Constituição até hoje vigente. A actual crise militar leva-me a supor que houve falhas no acordo ou na sua implementação, caso contrário a RENAMO não continuaria armada. A desculpa de que o presidente do partido teria uma guarda armada para a sua protecção não é o mesmo que ter bases armadas.  Portanto, que nos mostrem os calcanhares de Aquiles do acordo geral da paz, ao qual as duas partes se posicionaram como cegos pelo menos para a sociedade, ao que tudo indica.

Um jogo a dois?

Conjecturar que Guebuza queira a cabeça de Dhlakama como prémio, um pouco a semelhança do que José Eduardo dos Santos fez com Jonas Savimbi em Angola é uma possibilidade mas na minha opinião um pouco remota. A RENAMO é o maior partido da oposição, com assento parlamentar, reconhecido e filiado a orientações partidárias internacionais, conduziu ao lado do Governo um acordo de paz duradouro, e participou activamente dos processos eleitorais, para além de que as suas acções, por menos pacíficas que sejam, ainda não justificam a sua "caçação" como bandido.

Também o Governo já disse que o seu objectivo não é matá-lo. Como também há quem diga que a sua cabeça já foi oferecida antes da crise, mas que terá sido recusada. Tal como se diz que o exército moçambicano o terá deixado partir em paz a quando da tomada da sua base em Sathundjira, na província central de Sofala. E que Afonso Dhlakama está gravemente ferido é um boato novo? Enfim especulações as quais não podemos fazer ouvidos de mercador, considerando a actual situação.

Mas todos estes elementos mostram-nos que só os dois podem encontrar a solução para uma crise que foi totalmente polarizada por eles, cujos meandros só eles conhecem. Não nos esqueçamos que nada se soube sobre o encontro entre eles em Nampula quando a crise deu os seus primeiros sinais. Ou seja, o destino do país está refém de Armando Guebuza e Afonso Dhlakama.


 A (im)possibilidade de um "ménage à trois"...

Enquanto isso os partidos políticos, a sociedade civil e outros se tornaram invisíveis, por conveniência ou por impotência. Não me esqueço que uma pequena parte da comunidade tenta mediar a tensão nos bastidores. É precisamente esta constatação que evidencia a imaturidade democrática, de cidadania e talvez da ausência da base; a consciência. Ou então é melhor não chama-la ao de cima. Enquanto isso É caso para dizer que "o deixa andar" é mesmo uma realidade até para combater ao que alguns chama de "gebuzismo" e o próprio Presidente sabe disso, por isso...


Isso mostra também que o país ainda é uma espécie de selva, onde reina o salve-se quem puder, onde cada um ainda está preocupado em satisfazer as suas necessidades elementares, e outros até as suas conquistas políticas, que para alguns são o passaporte para destinos que só eles e o diabo conhecem... Numa altura em que o país está quase a arder, os partidos políticos estão mais preocupados com eleições em vez de apagarem o fogo do recinto que acolherá tais eleições. Ou seja, são situações que não se coadunam, as posições não são convergentes.

Um país (des)governado?

O Governo mostra que não quando pela primeira vez depois de vários confrontos entre as partes aparece em primeira mão a mostrar os seus feitos: a tomada de Sathundjira, a base da RENAMO. Quando os chefes dos postos admnistrativos unanimemente garantem que a vida nos bastiões da RENAMO seguem dentro da normalidade, contrariando relatos de testemunhos nos locais. Quando a polícia, que normalmente não concede entrevistas por telefone, porque não vem as caras dos jornalistas e estes podem deturpar as suas palavras..., contam tudo, como se estivesse a ler um comunicado, dispensando as perguntas. Tal como essa polícia omite, no seu comunicado, a detenção de membros da RENAMO. Quando o primeiro ministro de Moçambique visita Angola e em conferência de imprensa garante que o país vive uma situação de estabilidade. Tudo isso ou é uma tentativa de subestimar a crise e a força da RENAMO,  ou de minimizar a situação, ou então de manifestar que está tudo sob controlo, o que todos sabem que não corres ponde a verdade.

Analises (im)parciais legitimamente humanas

Várias vezes as analises da situação chegam a ser desprovidas de imparcialidade, objectividade e até mesmo desprovidas de analise, mas é uma imparcialidade humana e legítima. Perguntar a um analista na área de paz e conflito se há possibilidade dos confrontos se estenderem a outras regiões, principalmente para o norte onde a RENAMO tem também fortes apoios, e ouvir uma resposta negativa quando qualquer moçambicano sabe que seria uma forte possibilidade aconteceu, por exemplo. E a desculpa era a garantia que o presidente do partido deu de que os seus homens não pegariam em armas. Quantas vezes ouvimos esses discursos paralelamante a acções contrárias?

Carrot and stick

É a estratégia usada pelos polarizadores da crise. De dia dizem sim a paz, mas de noite dão gosto aos seus apetites belicistas. Se os dois principais actores aplicam as mesmas jogadas de forma sistemática, então estamos longe de uma solução pacífica que já as mais de 20 rondas negociais nos mostraram.

 (Texto por concluir, volto em breve.)

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