domingo, 27 de setembro de 2009

“A caminho das Índias”: Alguma vez teve princípio e fim?

A balde de água gelada nos sonhos dos telespectadores! A novela de Glória Perez, célebre por produzir telenovelas famosas como “O Clone”, foi alvo de inúmeras críticas devido ao final que aconteceu há sensivelmente duas semanas.

Confesso, sem vergonha nenhuma, que adoro ver novelas, principalmente as brasileiras. Tive de ver o final no Youtube, que era acompanhado de “testículos” opinativos críticos e insultuosos a autora.
Devo dizer que concordei com alguns deles... Passamos meses e meses com coração nas mãos por causas das milhentas histórias da novela e ela acaba assim em três pancadas? E como se não bastasse não da forma que sonhamos.

Mais respeito pelas nossas fantasias e sensibilidades. Depois de tanta intimidade com os personagens estamos à espera de, no mínimo, um fim justo, equilibrado e romântico. Não queremos muito, só a perfeição!

A minha frustração e a das outras pessoas despertou, depois de acalmar os ânimos, a minha atenção para dois factos: primeiro, o Homem procura nas criações, a concretização dos seus sonhos e fantasias, já que a vida raramente oferece espaço para tal. A novela torna-se o espaço das liberdades, o único mundo que pode ser cor de rosa. E foi lhes cortada até a possibilidade de sonhar, não há direito! Além de que foi um fim que pode ser considerado disfórico, contrariando a característica das novelas (ai a resistência as mudanças... )

Segundo, a novela começa já com histórias de “paternidade atribuídas”, a novela é particularmente alimentada por elas e o seu fim é caracterizado pela continuidade desta particularidade. Ou seja, faltou o fecho, ou melhor, a solução. Afinal o fecho não significa necessariamente a solução...
Que mensagem a autora quis passar com estas histórias excessivamente repetidas?
Ainda não alcancei, mas percebi que todo o poder que a mulher indiana tem na mão é por ela manifestado de forma inconsciente.

Apesar de estar em desvantagem nas relações de genéro, ela desencadeia as mais profundas mudanças nas relações sociais da sua sociedade, porque no final quem tem o poder, deverdade, é ela.

Ora vejamos, se as pessoas de castas diferentes não se podem casar, por umas serem inferiores a outras, as mulheres acabam por pôr fim a essa barreira de forma não “oficial”, ou por debaixo do pano, ao terem filhos de homens de castas diferentes, mais especificamente, pobres. No final não há castas puras. Não há superioridade, não há estratificação...

Pela vaidade machista de querer ter um filho homem, a mulher também acaba por comprar um filho macho para satisfazer a vontade do seu marido. Este último sente-se então realizado: cego pela sua masculinidade, que está sempre “em cima”, sujeita-se a fazer papel de parvo para o resto da vida.
Como a dominada pode passar a dominante na luta para satisfazer as exigências do dominante?
Até que ponto o opressor passa a ser o oprimido com o chicote na mão?

Este é um caminho, que na minha opinião, nunca teve princípio tal como o seu fim se mostra um miragem...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Condição Feminina: Conotações e Denotações


Foto: Ismael Miquidade
Titulo: Super Mãe

Ouvi a expressão "condição feminina" e pensei logo: trata-se de uma doença, mas estava enganada. A confusão mental começou quando hoje li uma notícia que dizia “Cabo Verde apresenta uma média de Índice de Condição Feminina superior à de muitos países africanos. Este dado consta de um relatório mandado elaborar pela Comissão Económica das Nações Unidas para África, apresentado na Cidade da Praia...”

Embora use a palavra “condição” com muita frequência, também a maltratando muitas vezes, e com a certeza de que sabia o seu significado não resisti e fui consultar o dicionário e os significados eram vários: classe social a que pertence uma pessoa, categoria, situação, circunstância, conjuntura, cláusula, imposição, qualidade, caráter, génio, índole...

Ahhhh... Afinal este termo, pelo que entendi, usa-se para se referir a forma como a mulher se “posiciona” nas diferentes áreas sociais. Cheguei à uma conclusão: a conotação da palavra “condição” foi a razão do meu susto e abalo! Na minha cabeça, talvez problemática, a “condição” carrega consigo também a idéia de discriminação.

Aliás, alguns dos significados da palavra “condição” são usados também para discriminar, estratificar. Logo me perguntei: Como é possível lutar contra a discriminação feminina usando termos que carregam também “idéias” de discriminação?

O uso deste termo na minha óptica assemelha-se ao auto-golo de uma equipa que entrou em desvantagem para uma partida dos quartos de final. Será que não está na hora dos jogadores, mais adeptos, árbitros, media, etc, pensarem em termos mais positivos?

Como se já não bastasse o uso problemático da palavra genéro, agora me vem com esta. No sentido que percebo a coisa, não gostaria nunca de ser incluida nesta causa. Caminhem para frente usando as ferramentas de forma adequada, se não estão a andar em círculos, correndo sérios riscos de fazerem estragos no chão...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Conselho Constitucional em Moçambique: É possivel agradar gregos e troianos?

Depois da Comissão Nacional de Eleições, CNE, ter reafirmado a sua decisão em relação à exclusão dos pequenos partidos políticos em Moçambique às eleições de 28 de Outubro próximo, os PAPs, Parceiros de Apoio Programático de Moçambique, foram bater a porta à casa de João Leopoldo da Costa a pedir satisfações.

Tem certa autoridade para isso, não fossem eles os maiores financiadores do Orçamento Geral do Estado (OGE). Cerca de 50 por cento do dinheiro vem do bolso deles, embora algumas vozes também considerem o gesto como ingerência, opinião também aceitável.

Abrindo espaço para ingerência

O Conselho Constitucional que tem agora o caso cabeludo em suas mãos vai ter de o “pentear” de forma, no mínimo, neutra para que satisfaça as exigências dos PAPs. Já se ultrapassou a fase de se invocar o atropelamento a lei eleitoral, imparcialidade da CNE para que as coisas mudem. Argumentos até certo ponto válidos, já que se conhecem bem os pontos de lei violados. As armas da batalha, porque a guerra afinal não terminou, são agora as mais pesadas, o dinheiro.

Esta questão mostra o quão frágil o país é. Como em questões tão nacionais (embora digam respeito ao mundo, principalmente o “democrático”...) apenas 19 dos 246 países do globo têm poder para “movimentar” assuntos importantíssimos do país.

A este grupo se junta o Banco Africano de Desenvolvimento, a Comissão Europeia entre outros países e instituições. Felizmente que neste, e em muitos outros casos, os doadores influenciam para o caminho correcto. Mas não deixa de ser triste e preocupante. Mais ainda porque é o próprio país que abre espaço para isso.

Como se já não bastasse o descrédito dos moçambicanos que cresce a olhos vistos em relação ao processo eleitoral, com esta intervenção está claramente à mostra a fragilidade do país. São eles os bombeiros do país? Já que os nossos funcionam com deficiência...

 Agradar gregos e troianos?

Que decisão irá tomar o Conselho Constitucional? Está em posição difícil. Passar por cima da já descredebilizada CNE seria passar-lhe um atestado de óbito, o que não convém muito neste momento, não apenas devido ao processo eleitoral que já está abalado, mas também a quem ela serve. Por outro lado não convém dar motivos aos PAPs para fecharem os cordões a bolsa ou então fazer com que dela caiam apenas migalhas.

Enquanto isso, os grandes parceiros de apoio programáticos seguem com o seu trabalho. Estabeleceram esta semana os indicadores do desempenho e metas do Governo moçambicano para 2010. De acordo com o jornal Notícias de Moçambique na cerimónia de encerramento da reunião de Planificação do Quadro de Avaliação de 2009, em Maputo, que aconteceu esta semana, os indicadores de desempenho do Governo acordados para 2010 são, na sua maioria, escolhidos entre os indicadores que constam do Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, na sua segunda edição (PARPA II).

Então, o que irá fazer o Conselho Constitucional? Parece que uma reviravolta completa está fora de questão. É possível um meio termo? Agradar a gregos e troianos?
O prazo para que o Conselho Constitucional anuncie a sua decisão é segunda-feira próxima, mas esta instituição tem pressa, vai se lá saber porque, de o fazer antes.
Ainda bem! Afinal estamos em épocas de combate ao "deixa andar"...
Aguarda-se esta tarde em Maputo pelo veredicto final do assunto do momento em Moçambique.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Escritor sueco Henning Mankell fala da sua relação com Moçambique

Henning Mankell: um sueco de nacionalidade, mas que leva Moçambique no coração. Famoso mundialmente pelas suas obras policiais, vive há 25 anos em Moçambique onde desenvolveu relações, segundo ele, profundas com instituições e figuras de renome na arena cultural. Para além das terras do Índico constituírem lugar de relativa calmia para si existem outras coisas que o ligam ao país. Num canto do Teatro Avenida, em Maputo, trocamos dois dedos de conversa e o autor falou de algumas delas e do motivo que o levou a Moçambique:






Henning Mankell: Eu penso que foi Moçambique que me escolheu. Eu sou sueco e cheguei à África pela primeira vez em 1972, tinha 20 anos. Como escritor jovem pensava que precisava de uma perspectiva diferente do mundo fora da Europa, e escolhi África. Depois cheguei fui para a Guiné-Bissau que nesse tempo ainda era uma colónia portuguesa, estou de facto muito velho. Mas vivi em vários países, como na Zâmbia por exemplo. Mas em 1984 quando algumas pessoas aqui como Manuela Soeiro e Lucrécia Paco estavam a pensar em criar o primeiro grupo de teatro profissional, a Manuela Soeiro convidou-me para falar com eles durante uma semana e já passam 25 anos...

Nádia Issufo: Alguma coisa forte o prendeu em Moçambique?

HM:
Foi um privilégio, uma grande aventura ter a possibilidade de trabalhar com estas pessoas com muito talento, de criar uma coisa, o primeiro teatro profissional no país. Como também uma sensação que não é importante que sou de uma outra cultura, sou do outro país, ou sou branco. O teatro não se interessa por essas coisas, mas sim pela comunicação. Para mim foi uma aventura todos esses anos.

NI: De alguma maneira se sente um pouco moçambicano por ter passado muito tempo em Moçambique?

HM:
Posso simbolicamente explicar que escrevi uma carta que esta na Suécia a dizer que se alguma coisa acontecer comigo, espero que não aconteça, posso ser enterrado aqui. Só para simbolicamente explicar...

NI: Como caracterizaria a sua relação com Moçambique?

Eu acho que tenho um a relação muito profunda. Basicamente penso que o respeito que tenho pelo país e pelo povo é baseado na forma como vi e vejo que o povo luta contra o único problema que existe no país, a pobreza. Porque todos outros problemas estão ligados a pobreza. Com a dignidade, alguma força, o povo luta contra esta pobreza. Isto é pra mim tão impressionante...

NI:Vive cá há 25 anos, o que viu evoluir durante este tempo?

HM:
Houve muito desenvolvimento. Quando cheguei aqui, fiquei fora do teatro ver as pessoas a passarem e quase ninguém tinha sapatos. E lembro-me também que no primeiro ano de trabalho estranhei o facto de que depois de duas horas d trabalho os actores ficavam muito cansados, não se compreendia. Mais tarde percebi que era fome. A dona Manuela e eu arranjamos comida.
Agora aqui todas as pessoas têm sapatos, dois, três, quatro pares de sapatos....
Claramente estou a ver um grande desenvolvimento. Mas a coisa mais importante é que há paz que esta cá pra ficar. Lembro-me também que há sete anos passei pela cidade e vi pessoas a pintarem as suas casas e pensei: quando as pessoas pintam as casa é porque tem confiança na paz. Porque se as pessoas não têm confiança não fazem isto.
Eu vi um desenvolvimento muito grande, mas há uma grande sombra. A pobreza é um problema muito grande. Tu sabes que ainda há 75% de analfabetismo, que é uma vergonha. E com a pobreza também chega a corrupção e todos os outros problemas. Acho que o país ainda tem uma rua longa para andar. Prefiro falar dos sapatos como o símbolo do desenvolvimento.

NI: Sei que a sua fama é muito grande no mundo e principalmente na Europa. Viver em Moçambique trás-lhe algum sossego uma vez que passa meio despercebido e as pessoas não o conhecem cá?

HM:
É verdade que na Europa sou um tipo de celebridade, as pessoas conhecem-me. Acho que os meus livros estão vendidos em mais de cem países e traduzidos para quarenta línguas. Eu vendo milhões de livros. Para mim viver em Maputo é mais calmo, porque há muitas pessoas que não sabem nada sobre a minha pessoa, que bom! Porque é mais calmo.
Por outro lado tenho muitos amigos aqui com quem falo e trabalho, como a Manuela Soeiro, Lucrécia Paco, com quem trabalhei muitos anos, e Mia Couto o escritor. Para mim é muito bom estar aqui porque o telefone não toca muito, eu posso trabalhar mais calmamente.

NI: E não há muitos flashes de máquinas fotográficas?
HM:
Acontece... mas não é como na Europa.

NI: Quantos livros escreveu ate agora?

HM:
Acho que escrevi quarenta e tal livros, não sei... Trabalho muito. Acho que é melhor dizer isso. Penso que quarenta e dois livros escrevi até agora.

NI: Qual deles foi mais marcante para o Henning?

HM: Esta é uma questão que francamente não quero responder porque os livros são como os filhos. Não quero responder esta questão. Quero pensar que em cada livro há alguma coisa que gosto muito. Não posso falar como as crianças que prefiro uma criança em relação à outra.

NI: A mesma filosofia se aplica as pecas teatrais?

HM:
Exactamente!Tenho que gostar e amar todo o trabalho feito aqui. Penso que seria mais fácil dizer cinco ou seis peças seis ou produções que foram muito boas, mas é melhor não dizer nada. Eu sempre penso que o trabalho do momento vai ser sempre o melhor que os anteriores.

Outubro de 2008, Maputo

Esta foi uma entrevista concedida à Deutsche Welle, a Rádio internacional da Alemanha:
http://www.dw-world.de/

Também pode ouvi-la em:
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,3773261,00.html

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Tchizé dos Santos: Um passo exemplar mas a meta ainda se mostra inalcançável

“Ao pedir a suspensão do seu mandato de deputada, a filha do Presidente da República de Angola, Tchizé dos Santos, deu um exemplo de humildade e de reconhecimento dos seus erros por ter criado incompatibilidades entre os seus negócios privados e o papel de representante eleita do povo angolano...” Assim começa o artigo do jornalista e defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques publicado este mês. O assunto foi tema para uma entrevista com esta voz interventiva e crítica.



Nádia Issufo: O que significa o pedido de suspensão de Tchizé dos Santos como deputada?

Rafael Marques:
Do ponto de vista político tem um grande significado, porque, primeiro, revela que a pressão da sociedade, sobretudo dos jornalistas, funcionou, obrigou a Tchizé dos Santos a escolher entre ficar no Parlamento ou na gestão da televisão pública de Angola, onde assume funções de directora interina. Há uma comissão de gestão para a televisão pública e ela faz parte dessa comissão e o cargo que acumulava com o de deputada era incompatível.
Por outro lado é importante porque vários deputados do MPLA encontram-se na mesma situação; são presidentes de conselhos de administração de fundações, estão na gestão de empresas, são sócios maioritários de vários negócios que tem relações directas com Estado. Logo, o caso da Tchizé não é o único, logo revela que se a filha do Presidente é obrigada a sair do Parlamento porque está em situação de incompatibilidade, os outros deputados também devem fazer o mesmo e escolher entre ficar no Parlamento ou cuidar de outros negócios.

NI: Este gesto pode ser considerado como um exemplo a ser seguido, e mais ainda, o início de uma nova era no que se refere a incompatibilidade de funções?

RM:
Não será o início de uma nova era porque é um sistema que sobrevive dessa confusão, da promiscuidade política entre a função do Estado e o interesse privado. Simplesmente oferece uma oportunidade para que a sociedade possa pressionar, possa continuar a buscar maior rigor da parte dos gestores públicos para que estes, de facto, não se sirvam do Estado para os seus próprios interesses privados. E por outro lado devo dizer também que a própria Tchizé dos Santos continua em situação de incompatibilidade porque ela é sócia-gerente de uma série de empresa neste momento. Quer ser uma das maiores empresárias angolanas então é gestora de muitos empreendimentos, e esses cargos que tem no sector privado também são incompatíveis com a direcção de um órgão público porque o estatuto de gestor público proíbe os mesmos de terem funções no sector privado, que é o caso da Tchizé dos Santos. Logo, o exemplo da Tchizé dos Santos só será relevante como individuo se estender este exemplo também ao pedir a sua demissão da comissão de gestão da TPA, porque se ela não fizer isso terá apenas tomado uma meia medida que a manterá na mesma em situação de incompatibilidade de funções.

NI: Na sua óptica porque o Presidente angolano não toma medidas apesar de já ter começado a fazer denúncias, como disse no seu artigo, sobre a acumulação de funções por membros do seu Governo com a gestão privada?

RM: O Presidente não pode fazer porque ele é o principal promotor desta política e eu explico porque: o Presidente tem uma Fundação, grande parte dos curadores da Fundação são membros do Governo. Um exemplo: há ministros como a governadora de Luanda, que também é ministra sem pasta, é curadora da Fundação José Eduardo dos Santos e essa é uma situação de incompatibilidade, não pode ser de acordo com a lei angolana. Logo, o Presidente é o principal responsável por essa promiscuidade, ele próprio como Presidente da República tem funções de patrono e até de assistir as responsabilidades, de assistir a assembleias gerais da sua fundação, o que também não é ético da sua parte, porque como presidente da República não devia ter funções no sector privado.

Esta foi uma entrevista concedida à Deutsche Welle, a rádio internacional da Alemanha
http://www.dw-world.de/
Também pode ouvir a entrevista, selecionado a emissão da noite, em: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html

Angola: Poucos a terem muitos milhões e muitos milhões a não terem nada

Há trinta anos que José Eduardo do Santos lidera os destinos de Angola, isto desde 21 de Setembro de 1979, depois da morte de Agostinho Neto, o primeiro presidente do país. Demasiado tempo no comando consideram algumas vozes que clamam por alternância. Enquanto isso a data para a realização de eleições no país tarda em chegar e o partido no poder, já pensa em mudar o modelo eleitoral. Conversei com o historiador e jornalista, Orlando Costa, sobre a liderança de José Eduardo dos Santos. O angolano não hesita em apontar os reais problemas da sua presidência e do país.

Nádia Issufo: Como avalia os 30 anos da presidência de José Eduardo dos Santos?

Orlando Castro:
A avaliação tem aspectos positivos e tem, sobretudo aspectos negativos porque estar trinta anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos porque para além de Presidente da República é presidente do MPLA e é chefe do Governo, o que torna José Eduardo dos Santos num dos ditadores, ou na melhor das hipóteses, num Presidente autocrático a mais tempo em exercício. Portanto, não me parece que isto abone os angolanos de uma forma geral e até ao MPLA em particular, sobretudo porque já era tempo de pela via democrática Angola ter um Presidente de facto eleito.”

NI: Qual a sua opinião sobre a forma como o ocidente hoje lida com o presidente e com o país?

OC: Na minha opinião o Ocidente tem mais vantagem em lidar com uma ditadura do que com uma democracia. Uma ditadura de um país rico é mais fácil de moldar aos interesses do Ocidente do que uma democracia. Porque veja que no caso de Angola, o Presidente do país, todo o seu clã e todo o seu envolvimento representam quase 100 % do PIB do país. E portanto, o Ocidente vê vantagens em ter um Presidente e uma estrutura ditatorial que é dono ou uma estrutura ditatorial do que ter uma democracia cujos protagonistas sairão do poder provavelmente daqui há uns anos se voltar a haver eleições. Portanto, há uma grande hipocrisia do Ocidente, de uma forma geral em todas ditaduras, e nesta caso concreto em relação ao regime do MPLA em Angola.

NI: Então os problemas que Angola enfrenta actualmente de corrupção, de incompatibilidades de funções e outras coisas mais poderão não ser resolvidos a curto prazo?

OC: Sim, dificilmente será resolvido a curto prazo. Até porque a comunidade internacional faz questão de que existam eleições como ponto de partida para uma boa governação. Eu tenho dúvidas que as eleições sejam por si só sinónimo de democracia, porque quando o povo tem que votar com base na barriga e não na cabeça, não creio que se vá a algum lado.
Angola teve eleições legislativas e provavelmente terá ou não presidenciais, mas mesmo que as tenha, o problema do país reside de facto num clã que domina todo o país. Porque não está em questão se a Sonangol tem poder económico e financeiro para investir noutros países do mundo, o problema está em que a Sonanagol não é dos angolanos, por exemplo, é do clã do Presidente. Enquanto toda a estrutura económica, financeira e produtiva não estiver nas mãos dos angolanos, mas sim na mão de um grupo de angolanos nunca mais o problema de Angola será resolvido.

NI: O que pensa da possibilidade de Angola vir a adoptar um sistema de votação presidencial indirecto a semelhança da África do Sul? Poderá trazer algum tipo de mais valias para o MPLA e para José Eduardo dos Santos em detrimento de outras forças políticas no país?

OC: Claro que sim, trás vantagens para o MPLA que vai perpetuar o MPLA e o Presidente que escolher, José Eduardo dos Santos, no poder. É uma aberração completa esta ideia de uma eleição que José Eduardo dos Santos chama de atípica, não tem o mínimo cabimento num conceito democrático moderno. Isto vai, de facto, apenas perpetuar o poder nas mãos dos que já o tem. Na faz o mínimo sentido que Angola opte por uma solução destas, porque é uma solução que apesar de tudo serve para passar um atestado de minoridade intelectual aos angolanos, o que me parece injusto. Já basta estarem a passar fome e agora ainda os tratam como se fossem débeis mentais, isto não pode continuar assim.

NI: Ate que ponto a sociedade civil angolana pode intervir para que este sistema não seja adoptado?

OC: A sociedade civil angolana tem muita força e vida e está a mexer-se no sentido de que as coisas não se processem assim. Mas o problema todo está em que as pessoas, apesar de tudo, têm medo e existe alguma asfixia no sentido de que a liberdade de expressão não seja tão visível quanto isso. Se a sociedade civil conseguisse ter o apoio da comunidade internacional no sentido de alertar as autoridades angolanas para que sigam critérios democráticos validos talvez conseguissem alterar este estado de coisas. Mas como eu lhe disse quando a própria comunidade internacional apenas se preocupa em que haja eleições, mesmo que nessas eleições não existam cadernos eleitorais, apareçam mais votos do que pessoas inscritas, mesmo que seja assim, a comunidade internacional acha que já fica tudo bem e já pode dormir descansada. Portanto, a sociedade civil por muito que se mexa terá sérias dificuldades em alterar este estado de coisas, parecendo-me a mim que isto só se alterara, quando por razões que esperamos naturais o presidente José Eduardo dos Santos deixe de existir e eventualmente o próprio MPLA se rejuvenesça, o que se calhar é uma utopia, mas enfim, vamos acreditar...

NI: Acredita que José Eduardo dos Santos possa pautar por uma presidência vitalícia?

OC: Eu creio que sim, creio que é essa a situação, que ele vai ser um Presidente vitalício. Seria no regime de partido único que é mais ou menos o que existe em Angola. Foi forçado, de alguma forma, a realizar eleições e agora está a fazê-lo e com essa máscara de eleições a perpetuar-se no poder de uma forma que a mim me parece contra a natura, mas enfim sou das poucas vozes, não são tão poucas assim afinal, a remar contra essa maré.

NI: Por favor, perspective uma Angola com José Eduardo dos Santos e sem ele na presidência do país...

OC: Eu creio que Angola com José Eduardo dos Santos a dirigir o país, já vimos o que é, são poucos a terem muitos milhões e muitos milhões a não terem nada, isto é, alguma classe de elite muito rica e muito poderosa e o povo a morrer fome. Sem ele creio que seria mais viável e que seria possível Angola ser um país só e os angolanos serem não de primeira, de segunda ou de terceira como agora acontece mas serem só angolanos e a riqueza ser distribuída por quem dela necessita, por quem tem a barriga vazia esta a opção que cabe aos angolanos e a nós todos escolher.


Esta foi uma entrevista concedida à Deutsche Welle, a rádio internacional da Alemanha
http://www.dw-world.de/

Pode ouvir a peça sobre os 30 anos de presidência de José Eduardo dos Santos, que inclui extractos desta entrevista, na emissão da manhã, em:
www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Rasteirando o adversário antes da partida

Coitado do Movimento Democrático de Moçambique... Foi de forma legitima (porque até ao momento não se provou o contrário...) excluída de nove dos treze círculos eleitorais com vista as legislativas de 28 de Outubro próximo. Afinal foi a Comissão Nacional de Eleições, o órgão a quem foi atribuído a autoridade e legitimidade para tal, que assim o decidiu. Razões para tal, estranhamente não foram devidamente apresentadas a quando do bombástico comunicado da Comissão e o mais suspeito de tudo: este respeitável órgão violou a lei eleitoral ao não notificar os partidos e coligações concorrentes sobre as irregularidades nos processos dos seus candidatos.
Como uma instituição de peso como esta pode sustentar a sua credibilidade depois de tamanho atropelo?? Ainda nem se chegou a “fase mais quente” e as punhaladas a lei, verdade, honestidade, imparcialidade, democracia e mais outras coisas estão a acontecer de forma escancarada e sem esperar pela calada da noite para uma actuação menos “vistosa”????
Bem, também devo recuar um pouco para trazer aqui um facto, que embora pareça insignificante, tem muito que se lhe diga... O governo moçambicano decidiu ainda neste ano, que por sinal é bastante especial, pois realizam-se três eleições nos país, atribuir de forma “obesa” regalias, bônus, residências decentes, veículos protocolares e outras coisas mais aos membros da poderosa CNE...
O que não põe em questão a imparcialidade deste órgão... E, por conseguinte me leva a perguntar se quem prega esta partida à turma de Daviz Simango e realmente a “poderosa” CNE...
Se olharmos para o actual cenário dos partidos políticos no país veremos situações bem claras: Uma Frelimo cada vez mais fortalecida com tudo a jogar a seu favor, não fossem eles “macacos velhos” em termos de “politiquices”... Muitos intelectuais e gentes das artes, os chamados seres pensantes que durante muito tempo foram os críticos da actuação do partido, hoje passaram para o seu lado. Os jovens que são tidos sempre como os “rebeldes” e “revolucionários” lutam para vestir a camisete vermelha com o objectivo de “garantir o lugar”, as associações de moçambicanos na diáspora são dirigidas por homens do partido do batuque e da maçaroca, e muito mais...
E para dar mais força ao partido, o “suposto” maior partido da oposição, a Renamo, está em declínio alucinante...
O que querem mais? “As vitórias são certas”! Mas como se diz, é preciso vencer de forma esmagadora!!! E a vitória prepara-se, dizem os membros do próprio partido...
Se há um “foco”que pode fazer frente a Frelimo, há que tomar as devidas precauções... O MDM até agora mostra-se como o raio de esperança na real “mudança” no país. O seu líder, Daviz Simango, lidera o município da Beira de forma exemplar, os membros dos seu partido, muitos dissidentes da Renamo, são cérebros pensantes e fazem erguer as suas vozes através da justeza dos seus pensamentos. Sem falar que alguns eram bastante activos no Parlamento moçambicano. Obviamente que este partido, irá ter o apoio dos moçambicanos conscientes e “realmente alfabetizados”

Com tudo isto a cama está feita para o Daviz... Uma rasteira hoje na certeza de que um lugar macio e confortável o espera em breve!

Volto com mais, o assunto pede muito!