segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma assinatura para o Bahrein

Uma assinatura para ajudar o povo do Bahrein. Este é o pedido da Amnistia Internacional numa esquina de Oslo. Comovente. O argumento para conseguir o "Nádia Issufo" na lista era que o país é uma monarquia, cujo povo luta por mais democracia e liberdade. Quase cai, peguei na lista e na esferográfica e o sorriso da mulher da AI se abriu mais, mas recuei e contra-argumentei: estavamos numa monarquia também (apesar de ter um governo democrático e haver respeito pela liberdade, factos conquistados as suas custas) e desejo verdadeiramente o bem estar do povo do Bahrein, mas acredito que essas conquistas tem de ser alcançadas internamente. E isso está a acontecer, não foi nenhum estrangeiro que enfretou a polícia, queimando pneus e bloqueando estradas neste fim de semana. Nem no ano passado quando dezenas de pessoas morreram em manifestações. Não escondo, a ajuda externa é um termo cujo enquadramento no meu catálogo é problemático. Devolvi a esferográfica e o papel, e o sorriso da mulher se manteve inalterável. Desejou-me uma boa estadia na cidade e aconselhou-me a visitar o Parlamento, que por sinal o Bahrein também possui e não foi com a ajuda externa.

No geral as revoluções no mundo árabe foram de natureza endogena, e hoje esses países continuam a traçar o seu percurso consoante a sua vivência, facto que de certo modo despontou a comunidade internacional, principalmente no que diz respeito a laicidade dos Estados. A islamização na política ganhou mais expressão, abrindo mais espaço para os radicais, que por sinal não tem poucos apoiantes, tal como os partidos europeus de extrema-direita tem cada vez mais apoiantes. Cada povo tem a sua história, seu rumo e seu estágio de desenvolvimento. Ajuda é bem vinda, ninguém faz conquistas sozinho, mas como dosea-la para não se transformar em intromissão, prepotência, e em atitude de "ohh, coitadinhos"?


quarta-feira, 18 de abril de 2012

Resquícios de um racismo paternalista no Brasil?

Tenho viajado todas as noites para o fantasiado e colorido sítio do pica pau amarelo do livro "Reinações de Narizinho" do brasileiro Monteiro Lobato. Confesso, tenho me divertido horrores com as suas pequenas histórias, tal como me tenho decepcionado horrores com as suas demonstrações "paternalistas" de racismo. A empregada da história é preta, o que não constitui novidade nas representações brasileiras e não só. Sendo isso um facto real, justo é que seja representado.
Agora ler frases como "a negra boa..." ou a "negra beiçuda..." "aquela diaba feia..."(em referência a emprega) é algo anormal, não? Em nenhum momento se diz no livro: "a branca dona Benta", ou seja, posso presumir que se ser branco é o "normal". E no país mais miscigenado do mundo, com forte base socio-cultural negra, chega a ser vergonhoso.
Preto é preto, branco é branco e rosa é rosa! Não me incomodo que as coisas sejam chamadas pelos nomes. Mas as pessoas não devem ser carecterizadas pelas construções sociais que de uma maneira geral só discriminam, e sim apresentadas pelo que são em determinado contexto.
Absurdo maior é que este livro, editado pela primeira vez em 1964, continue de forma intransigente a perpetuar o racismo. A edição mais recente, a que tenho em mãos, é de 2007. Sendo este um livro para crianças, que tipo de valores estarão a ser passados para os brasileiros de amanhã? Sim, porque quanto aos de hoje, nao sei o que dizer.
Entretanto, na versão televisiva desta história essas "negra" e "preta" foram "limpas" das bocas dos personagens. Isso demonstra que ainda existem pessoas sensatas.
Isso me faz lembrar relatos de um colega português, ele diz que em Portugal  "os pretinhos" era a expressão racista paternalista da moda nos anos setenta e oitenta. Na sua infeliz ignorância alguns achavam que estavam a ser carinhosos com os "coitados" dos pretos, coitados...

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Encontro casual com o saber


Numa caminhada ao longo de um parque verde de Bona, uma estante de livros se põe a frente de mim. Sim, porque não estou a espera dela, tal como a maioria dos mortais não está a espera desta irreverente inovação. E mais alguns encontros destes acontecem um pouco pela cidade, gracas a um cupido chamado municipio-municípe. Sou informada que as estantes são alimentadas por generosos anónimos, dispostos a partilhar o que tem, desprovidos de egoismo e a estante, claro, disponibilizada pelo município. Qualquer pessoa pode levar um livro sem ter de passar pelo bibliotecário, e melhor, sem passar por burocracias. Mas tem de o devolver a estante, "afinal o saber nao pode ficar refem de ninguém", disse isso um colega meu numa reunião em 2004, referindo-se a colegas que dominavam determinadas técnicas de trabalho, mas que se recusavam a passar aos outros. Se a maioria fosse "grande", o mundo seria menos pobre em todos os sentidos.

Entretanto, nem todos os que dão os livros é porque estão preocupados em alimentar mentes alheias. Uns o fazem porque se querem livrar dos excessos que tem em casa, e aliviam-se na bibliotecas livres. E também porque a mobilidade domina o estilo de vida de hoje, os livros tornam-se um peso na hora de correr a mala para outro pouso temporário. Na verdade não interessa o que originou a doação dos livros, o que interessa é que eles estão lá e circulam. São exemplos desses que gostaria de levar para o meu país, com a boa vontade e a generosidade de quem tem pouco, mas que quer ver as coisas andarem. Até me lembro da frase "onde come um come dois, onde come dois come três...", que no meio onde vivo é percebido mesmo ao pé da letra. No caso do saber vale lembrar no sentido figurado mesmo que "onde lê um, podem lêr um milhão..."

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Guiné-Bissau não contraria expectativas, e vive mais um golpe

Mais um golpe de Estado teve lugar na última noite na Guiné-Bissau. Era previsivel, e os factos comprovam isso: o descontentamento dos militares, e possivelmente outras forças políticas do país, face a presença da Missang, a missão militar angola de apoio a reforma do sector de defesa no país, e em resultado disso a manifestação clara desse desagrado por parte de António Indjai, chefe das forças armadas nos últimos dias. E ainda nesta cadeia, o anúncio da retirada da Missang esta semana. Qualquer um que acompanhe as notícias esperava por isso, e os guineenses mais ainda, tanto é que se manifestaram solicitando a permanência da "Semsangue" em seu território.

Cadogo, não se joga dos dois lados
Como se diz, Cadogo tem o rabo preso com os militares. Até porque não se explica como depois deste ter sido preso por António Indjai em 2010, e ter expulso o ex-chefe das forças armadas Zamora Induta, Indjai, para a surpresa geral, ter sido nomeado para liderar o exército. Lembrem-se, isto custou a Guiné-Bissau fortes repressões e quase "sanções" internacionais.
Por outro lado esse homem com rabo preso mostra que quer "limpar" a casa, e talvez aproveitando a boa imagem do falecido presidente Malam Bacai Sanhá quase conseguiu, pelo menos aos olhos de quem não o conhece... Carlos Gomes Júnior jogou a sua grande cartada quando conseguiu o apoio de Angola. Ele tinha  de jogar o jogo de Luanda, ou seja ficar com rabo preso tambem. Também um golpe militar falhou graças a intervenção da "Semsangue", Carlos Gomes Júnior não se transformou num cuador de sangue dessa vez por causa de Luanda. Pode um único rabo estar em duas mãos?

Os louros de Angola no meio da confusão
A comunidade internacional, em particular a ONU, nunca colocou ordem na Guiné-Bissau, embora constantes arbitraridedades tenham lugar naquele país. Angola aparece como o salvador da pátria com a sua "Semsangue", embora talvez movido por interesses "maiores", tais como um domínio no continente africano em termos diplomáticos e claro, interesses económicos. Esquecendo as ambições "expansionistas" de Luanda, deve-se reconhecer que enquanto a sua missão esteve em Bissau pelo menos a população, uma vez em muitos anos, se sentiu segura. Mas que mensagem quiz passar o governo angolano com a retirada dos seus homens? Não acredito que tenha sido só o descontentamento dos militares que ditou a sua retirada. Mas seja qual for o motivo, Luanda mostrou que é possível manter minimamente bem a Guiné-Bissau dentro dos carris.


Acabar com o pão dos militares?
Se por um lado algumas correntes preferem apontar o sentimento de inferioridade por parte dos militares guineenses como principal motivo para querer a "Semsangue" fora do país, eu quero acreditar que os militares "graudos" não querem que acabem com o seu pão. Quem compactua e ganha com o narcotráfico na Guiné? Todos sabem que são principalmente os militares que não estão na mão do governo. Alguns políticos no governo já tem o seu nome associado a esse negócio também. A Guiné-Bissau é dominada por uma máfia. Tentar entender os meandros do crime em que se assenta esse país é uma ginástica escabrosa. Mas de uma coisa estou certa: esses militares não tem amor a sua vida, e portanto a vida da população não lhes diz nada.


Kumba Ialá pega em armas?
Notei uma clara tendência de alguns jornais associarem implicitamente o golpe militar com a figura de Kumba Ialá, um dos prováveis vencedores das presidenciais. A ser verdade esta suposição, pode-se perpetuar a sujidade nesse quintal do narcotráfico, com alianças questionáveis. A história da Guiné-Bissau mostra que não se pode subestimar este candidato, visto por muitos como louco. Já foi presidente graças também ao voto étnico que tem peso no país. Portanto, só esses dois factores já lhe podem garantir o lugar nos comandos do país. E depois fala-se em democracia, quando o que dita a vitória são outras coisas...

terça-feira, 3 de abril de 2012

FMI conclui financiamento a Angola em meio de polémica

O Fundo Monetário Internacional (FMI) desembolsou, na última quarta-feira (28.03), a tranche final do empréstimo solicitado por Angola, em 2009, apesar dos apelos contrários feitos pelas ONGs de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) e Revenue Watch Institute.Para estas organizações, o congelamento do empréstimo seria uma forma de pressionar Luanda a justificar, de forma satisfatória, o desaparecimento de somas avultadas dos cofres do Estado e a implementar mais medidas para o fim da corrupção e o aumento da transparência. Em entrevista à DW África,conduzida por mim, Jean-Marie Fardeau, da HRW, explica melhor o que os moveu nesta iniciativa gorada.

Jean-Marie Fardeau: A Human Rights Watch e a Revenue Watch são as duas organizações que decidiram solicitar ao FMI que não desbloqueie os 130 milhões de dólares para Angola, por causa de uma questão que temos há vários meses sobre a utilização, pelo governo angolano, de 32 mil milhões de dólares que estão em falta na contabilidade nacional do país. Para nós, as respostas de Angola, depois dessa descoberta, não são suficientes e não correspondem à esperança que temos de ter certeza de que este dinheiro foi usado no interesse do povo angolano.

Nádia Issufo: Mas, ao impedir a libertação da última tranche também os projetos de desenvolvimento de Angola podem ficar comprometidos...


JMF: Para nós, a questão da má gestão e da corrupção são coisas muito importantes, que prejudicam ainda mais o desenvolvimento de um país que o facto de receber, agora ou daqui há um mês, um empréstimo de 130 milhões de dólares. Sabemos que Angola fez esforços para melhorar a transparência da contabilidade ligada à exploração petrolífera do país. Mas esse problema dos 32 mil milhões de dólares, o facto de que a comissão de investigação que foi nomeada pelo governo não ter dado ainda os resultados completos, cria uma situação que para nós não justifica a disponibilização de 130 milhões de dólares. Este dinheiro é só uma parte de um empréstimo de mais de mil milhões de dólares, cuja maior parte já foi dada a Angola.

NI: Apesar do não esclarecimento do desaparecimento desses 32 mil milhões de dólares dos cofres do Estado angolano, o país recebeu elogios do FMI pelo bom desempenho económico. Isso não constitui um paradoxo?

JMF: Sim, é um paradoxo ver o FMI felicitar Angola pelo desempenho económico, apesar de continuarem em Angola os problemas de má gestão e de falta de transparência sobre o uso do dinheiro público. Também é importante lembrar que Angola continua numa posição muito afastada em relação ao nível de desenvolvimento económico e de desenvolvimento humano. Ocupa a posição de número 148 entre os países do mundo em relação ao desenvolvimento humano - da educação das crianças e da saúde - apesar dos recursos enormes do país. Então, essa diferença entre o desenvolvimento económico e o desenvolvimento humano é obviamente um problema para nós.

NI: A HRW vê algum tipo de melhoria em Angola no que diz respeito à transparência e à corrupção?


JMF: A HRW e o RWI consideram que o governo de Angola adoptou algumas medidas para melhorar a transparência e a gestão do setor petrolífero. Mas, para nós, isso ainda não é suficiente. Faltou ao FMI a oportunidade de pedir a Angola que melhore ainda mais a gestão dos recursos naturais e financeiros do país, que já permitiram a Angola limitar e reduzir a dívida externa, mas continuam os problemas de uso do dinheiro em benefício do povo e das necessidades sociais do país. Esse problema do uso do dinheiro público é uma questão que, para nós, ainda não está resolvida em Angola.

Para ouvir esta entrevista consulte: http://www.dw.de/dw/article/0,,15848969,00.html
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