quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Dhlakama já garantiu que não começa a campanha eleitoral no domingo


Afonso Dhlakama não inicia a campanha eleitoral no próximo domingo dia 31 de agosto, primeiro dia da caça ao voto com vista as eleições de 15 de outubro próximo. O líder do maior partido da oposição em Moçambique está a espera que, primeiro, o Acordo do fim das hostilidades assinando entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO seja ratificado pelo Parlamento e promulgado pelo Presidente da República, Armando Guebuza. Dhlakama quer primeiro que o documento ganhe o peso de lei. Entrevistei-o para a DW África sobre o acordo e outras questões a volta.




Nádia Issufo (NI): Quando é que sairá do chamado “lugar incerto” onde se encontra, para o convívio com todos os moçambicanos?

Afonso Dhlakama (AD): Não estou num lugar incerto, porque tenho comunicação com os moçambicanos, de Rovuma a Maputo, tenho falado com eles. Estou no distrito da Gorongosa, à espera que os documentos que foram assinados em Maputo sejam transformados em leis pela Assembleia, promulgados pelo Presidente e publicados em Diário da República. Isto é muito importante, não só para mim, mas também para os observadores internacionais e peritos militares. Esta é uma das garantias que eu espero. Não tenho medo de ser assassinado, mas estou a dirigir um partido que diz “pai, não vale a pena, é melhor que as coisas estejam bem”. Acredito que isto acontecerá em breve. Posto isto, não vou poder iniciar a campanha eleitoral no domingo, mas poderei entrar em contacto telefónico, cumprimentar as populações em várias províncias já no dia 31 deste mês.

NI: Acha que este acordo não será promulgado antes do início da campanha eleitoral?

AD: Penso que não, porque a campanha começa no domingo. Se existir boa vontade por parte do Governo para convocar uma sessão extraordinária da Assembleia dentro destes dias, sim, porque basta os deputados e as comissões fazerem as suas análises e aprovarem e o Presidente da República pode promulgar e mandar publicar. No entanto, como a campanha começa já no domingo, penso que não vai acontecer. Talvez aconteça na segunda ou na terça-feira.

NI: Este acordo inspira-lhe confiança?

AD: Nós estamos a fazer um esforço para mudar tudo aquilo que inquietava os moçambicanos, que não lhes dava esperança. Estamos a tentar construir uma República sólida, estável, para os moçambicanos e para os parceiros internacionais. Quando exigimos que os documentos entrem na Assembleia da República e sejam promulgados, queremos que eles sejam leis e ofereçam garantias a moçambicanos e estrangeiros. África está assolada de guerra por falta de entendimento e democracia. Eu, em nome do povo e do meu partido, quero que Moçambique venha a ser um país exemplar. Esta é a minha ambição.

NI: Fora a questão legal, o nível de confiança entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO ainda é muito baixo. Porquê?

AD: Por causa da história. Fizemos a Guerra dos 16 anos. Tudo isto que estamos a tentar remendar é algo que foi assinado em uutubro de 1992 em Roma. Mas faltou o cumprimento dos protocolos por parte do Executivo: o exército único e apartidário, eleições livres e transparentes, direitos humanos. Um ano depois, a FRELIMO esqueceu tudo. Não posso esconder: tenho prudência, agora, porque são os mesmos que assinaram o acordo de Roma. Mesmo a população e os estrangeiros observam com uma certa calma. Lembramo-nos da experiência amarga.



 NI: Agrada-lhe a ideia de um encontro simbólico com o Presidente Armando Guebuza em Maputo?

AD: Penso que este encontro é muito importante, em qualquer parte. Sei que Maputo é onde está o corpo diplomático, é a cidade da imprensa nacional e internacional, é a capital. Por isso, muita gente pensa que o encontro deve ser lá. Não é porque Guebuza mora lá, nem eu estou a ser convidado para a casa do Presidente. Nem eu o posso puxar para a minha casa. No âmbito do impacto, penso que faz sentido ser em Maputo. Mas o vai e vem nas questões da segurança, esta demora, é o próprio Governo que está a atrasar tudo isto. Se o acordo tivesse sido promulgado no dia seguinte, talvez já tivéssemos tido esse encontro. Só exijo garantias de segurança, não quero complicar a situação. Este encontro não é para negociar. É para nos olharmos nos olhos, engolirmos o rancor, esquecermos o passado e transmitirmos confiança à população e aos investidores. Ninguém sabe o que vai acontecer a 15 de Outubro, a RENAMO até pode vencer as eleições e é preciso que Armando Guebuza saiba que não vai ser perseguido. Eu posso vir a ser o Presidente da República e tenho de dizer que vamos governar com reconciliação e justiça. Gostaria que o encontro acontecesse antes mesmo do início da campanha.

NI: Analistas consideram que, ao convidá-lo para o diálogo, o Presidente e o seu partido estão a tentar projectar-se numa altura de eleições e que a sua recusa em deixar o local onde se encontra também é uma estratégia semelhante, de não deixar todo o protagonismo todo nas mãos de Armando Guebuza. Concorda com esta análise?

 AD: Não concordo. As pessoas têm que entender: houve uma guerra. Embora não se queira dramatizar, morreram milhares de tropas governamentais e agentes da polícia de intervenção rápida. Também registámos alguns mortos e feridos e isto deixou o povo assustado. Isto não pode ser levado como uma brincadeira, como algo emocional. É preciso entender que se trata de uma situação de segurança. A minha única estratégia é sair de onde estou de forma segura, com a convicção de que não vou cair numa emboscada e de que a FRELIMO promulgou os documentos. Eu ia ser morto a 21 de Outubro: Armando Guebuza mandou um contingente bombardear para me matar e, se não morri, foi porque não apanhei um tiro. Não me vou esquecer disso só porque há campanha, diplomatas e analistas.

NI: Recentemente, a imprensa noticiou que Afonso Dhlakama estaria doente. Como está agora de saúde?

AD: Nunca estive doente (risos). Esta é que é a propaganda da FRELIMO, sempre a noticiar que eu estava em Lisboa, na África do Sul, no Quénia, que me escondi depois do ataque porque andava de cadeira de rodas. E eu não sei porque é que fazem esta propaganda. Talvez porque sou importante.

NI: Em Moçambique, a sociedade civil queixa-se de não ter sido incluída na discussão que culminou com o acordo para o fim das hostilidades e, por isso, receia que o acordo venha a ser mal sucedido. Como é que vê esta reclamação?

AD: Respeito muito a sociedade civil, conheço a sociedade de Moçambique, que tem vindo a crescer nos últimos anos. O problema era entre o Governo e a RENAMO, mas quero crer que a sociedade civil esteve representada, através de mediadores e intelectuais. Alguns são bispos, outros académicos e doutores. Acho que estes intelectuais são todos independentes e fazem parte de organizações da sociedade civil. Não se trata de 50 ou 60 pessoas que tinham que estar no Centro de Conferências Joaquim Chissano. Quero acreditar que a sociedade civil foi incluída através destas pessoas.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/renamo-n%C3%A3o-inicia-campanha-sem-que-acordo-de-paz-seja-lei-em-mo%C3%A7ambique/a-17886853

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Política e economia trazem Oldemiro Balói a Alemanha


O ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros está na Alemanha desde segunda-feira. Até quarta-feira, altura em que termina a viagem, os interesses económicos dominarão a agenda de Oldemiro Balói. De acordo com o chefe da diplomacia moçambicana, a nível político os laços estão bem consolidados, e agora é preciso também elevar as relações económicas para o mesmo nível. De lembrar ainda que pouco antes desta visita, a Alemanha anunciou que não irá apoiar o OGE de Moçambique deste ano, por estar insatisfeita com os avanços na luta contra a corrupção e falta de transparência. Mas na primeira pessoa Oldemiro Baloi conta-nos o que o trouxe aqui:

DW África: O que é que o trouxe à Alemanha?

Oldemiro Baloi (OB): O reforço das relações de amizade e cooperação, a preocupação comum em ver as relações económicas a aproximarem-se o máximo possível do nível de relações políticas, a consolidação das condições políticas já existentes e o diálogo com os empresários, no sentido de os mobilizar para investir em Moçambique.

DW África: Segundo o programa do Governo moçambicano, as suas visitas foram basicamente de carácter económico e comercial. São esses aspectos que norteiam portanto também esta viagem?

OB: Tem um duplo carácter. O primeiro objetivo é de natureza política, pois vim retribuir a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha feita em 2009. Mas o programa tem duas componentes, a política, que é de sempre, e a económica que estamos a procurar desenvolver. Visitei duas empresas, visitei uma organização que trabalha em Moçambique, a Friedrich-Ebert-Stiftung, e depois tive encontros com todo o gabinete da chanceler, com o ministro dos Negócios Estrangeiros e amanhã (18.06) terei uma reunião com o ministro da Cooperação e Desenvolvimento. Portanto, são as duas faces da mesma moeda, a política e a economia.

DW África: Nos últimos tempos, assiste-se ao estreitamento de relações entre os dois países. É capaz de citar alguns exemplos concretos desses contactos?

OB:
A cooperação com a Alemanha cobre fundamentalmente quatro áreas: o apoio ao Orçamento, à educação, ao sector privado e à descentralização, no sentido de promover o desenvolvimento rural.
Ao nível do investimento, temos grandes empresas alemãs a trabalharem em Moçambique, através de seminários empresariais que têm tido lugar quer em Berlim, mas principalmente na Baviera, em que temos conseguido despertar o interesse dos empresários alemães. Quarta-feira (18.06) haverá, por exemplo, um seminário. Faz parte da minha comitiva o diretor-geral adjunto do Centro de Promoção de Investimentos de Moçambique. Ainda na quarta-feira haverá mais uma interação para atualizar a informação que os empresários alemães tenham sobre Moçambique e tentar explorar mais ainda o enorme potencial que existe a nível de investimento.

DW África: No que diz respeito ao apoio ao Orçamento de Estado, a imprensa moçambicana anunciou, recentemente, que a Alemanha não irá apoiar o Orçamento de Estado em 2015. Este é um dos temas que traz para esta viagem?

OB:
Sim. O que me traz a esta viagem é um quadro global, aplaudindo e agradecendo o que de bom tem acontecido e procurando resolver assuntos cuja evolução não tenha sido muito feliz. Em relação ao apoio ao Orçamento, a Alemanha não terá apoiado este ano mas deverá apoiar em 2015 [para o ano seguinte]. Eu passei essa mensagem em todos os encontros de natureza política que tive e não tive qualquer reação negativa. Aliás, pelo contrário. Devo dizer que fiquei algo surpreendido com a abertura, o apoio, a simpatia com que Moçambique é visto aqui, que nem sempre é o que transpira em Moçambique. Portanto, a surpresa está na intensidade desta relação. Alguns [parceiros] evidenciam mais um ou outro aspecto negativo numa avaliação global que é francamente positiva.

DW África: À semelhança da Alemanha, também o Reino Unido anunciou que não está satisfeito com a prestação moçambicana em termos de gestão das ajudas. O que é que responderia à comunidade internacional quando se fala e fica comprovada alguma má gestão além de casos de corrupção que são imputados aos mais altos escalões da gestão em Moçambique?

OB:
Eu penso que há uma generalização precipitada. A gestão da ajuda por parte de Moçambique tem sido aplaudida internacionalmente. Surgiram recentemente dois casos que não terão agradado à comunidade internacional, e vai daí que tem havido críticas em relação à atuação do Governo.
 O diálogo para a busca de esclarecimentos para esses factos continua. Mas as pessoas já tiraram conclusões, já fizeram posicionamentos. Agora, manda a verdade dizer, nem sempre estes recuos e a suspensão da ajuda, nalguns casos, tem a ver com a penalização a Moçambique. Também tem a ver com dificuldades internas. Mas é mais cómodo imputar responsabilidades a Moçambique. Recentemente realizou-se a reunião de Moçambique com os países de apoio programático, que inclui o apoio ao orçamento de Estado. E os parceiros, de um modo geral, manifestaram satisação pela performance de Moçambique e prometeram financiar o país com 500 milhões de dólares – melhor evidência que esta não pode haver.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/chefe-da-diplomacia-de-mo%C3%A7ambique-est%C3%A1-na-alemanha-para-refor%C3%A7ar-la%C3%A7os-econ%C3%B3micos/a-17716011

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Afonso Dhlakama reaparece e repisa as mesmas posições

Em exclusivo para a DW África, o líder da RENAMO falou sobre o conflito político-militar em Moçambique. Afonso Dhlakama garantiu que a segunda maior força da oposição tem muito interesse em acabar com os confrontos militares e acredita que as eleições gerais de outubro próximo irão, de facto, acontencer. Dhlakama, entretanto, deixa claro que o Governo da FRELIMO deve também colaborar. Neste momento, por exemplo, está em cima da mesa de negociações entre as partes a composição do exército nacional e o desarmamento da RENAMO, considerado um dos pontos mais críticos do diálogo.  E a conversa começou por aqui...




Foto: Ismael Miquidade

Nádia Issufo (NI): Como caracterizaria a atual fase negocial em termos de dificuldades?

Afonso Dhlakama (AD): Eu penso que é a falta de boa vontade por parte do Governo moçambicano, ou por parte da liderança da FRELIMO. Lembra-se que o próprio atual Presidente da República, Armando Guebuza, foi o chefe negociador por parte da FRELIMO. Ele conhece muito bem os protocolos que foram assinados em Roma e o Acordo Geral [de Paz], assinado também em Roma, em 4 de outubro de 1992.
Só que quer ele, assim como o outro Presidente - o já reformado [Joaquim] Chissano – foram infelizes, não quiseram cumprir com aquilo que eles rubricaram em Roma, na presença da comunidade internacional, testemunhado o acordo pelas Nações Unidas. Chegaram a enviar, as Nações Unidas, capacetes azuis para supervisionar o cessar-fogo que foi um sucesso e faltou o cumprimento.
Então, isso que estamos a negociar, nem deveríamos estar a negociar - porque apenas estamos a recordar à FRELIMO que vamos implementar o acordo sobre a política de defesa e segurança em Moçambique, para evitarmos que tenhamos o exemplo, não podemos seguir Guiné-Bissau onde os políticos usam os militares a golpearem, isso porque as coisas não foram bem tratadas.
É exatamente que eu estou a bater com o pé. Eu não quero ser obrigado a criar o meu exército, o Guebuza também ter o seu exército. Queremos um exército apartidário, profissional, técnico, em que os comandantes são nomeados pela confiança técnica profissional. Não podemos meter políticos dentro do exército.

gora, sabemos que é o exército nacional, receberam ordens do Presidente da República para atacar o líder da oposição. Por quê? Porque essas coisas não estão definidas. Essas tropas estão como força, o exército pessoal do partido FRELIMO. É isso. Queremos acabar com a partidarização das instituições do Estado.

NI: Confirma que, depois dos acordos de paz em 1992, a composição das Forças Armadas de Moçambique deveria ser de 50% para cada lado - ou seja, 50% do Governo da FRELIMO e 50% da RENAMO?

AD: Exatamente! Está escrito no Acordo Geral de Paz. Não é uma invenção, 50% de cada lado. Só que em 1994, depois das primeiras eleições, o Presidente, na altura o Chissano, disse que não havia dinheiro suficiente para fazermos uma coisa dessas. E mais, seriam 30 mil homens, dos quais 15 mil da RENAMO e 15 mil da FRELIMO, escrito no acordo, assinado por mim e por ele, o Joaquim Chissano.
Mas depois das eleições de 1994, disse que não havia dinheiro. Mas havia dinheiro, só que não queria este exército, onde os [homens] da RENAMO haviam de entrar, porque em seguida criou um outro exército partidário da FRELIMO, chamado Força de Intervenção Rápida [FIR], que até hoje é um instrumento repressivo contra a população inocente. E também agora já estamos a exigir que a RENAMO deve ter 50% desta Força de Intervenção Rápida, porque é uma força praticamente FRELIMO.


 Foto:  FM

NI: Sr. Afonso Dhlakama, durante esta tensão político-militar entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, que já dura muito tempo, tem havido mortes e derramamento de sangue, o que preocupa todos os moçambicanos. O que é necessário para acelerar o fim desta situação?
AD: É o acordo. Já demonstrei boa fé. Neste momento em que estamos a conversar, há a tregua que a RENAMO deu, fez unilateralmente há três semanas. As Forças Armadas passavam muito mal aqui, portanto, não conseguiam transitar de uma posição para outra na distribuição de alimentação. Mas, eu senti pena e dei trégua, isto é, mande cessar o fogo em todo o distrito da Gorongosa. Isto é o coração de um líder que quer a paz. Mesmo quando começaram a complicar sobre o meu recenseamento, dei trégua também numa zona chamada Muxúnguè, no troço entre o rio Save e Muxúnguè.
Desde a quarta-feira da semana passada (07.05.14), parecia mentira, tudo está parado do Ruvuma ao Maputo. Mas eles sempre que vão provocar. A RENAMO limita-se em responder. Só que, quando lamentam, dão a entender como se a RENAMO estivesse a provocar. Não, a RENAMO quer a paz.
Se perguntar hoje, que falou com o Dhlakama e ele disse que está tudo calmo, porque com a sua iniciativa deu trégua, mandou cessar-fogo, todo mundo vai confirmar. Portanto, esta boa vontade que tenho tentado demonstrar, não em termos de propaganda, mas sim no sentido do Estado, como chefe da família, não encontro a correspondência do outro lado. É por isso que sempre tem havido um conflito a prolongar e a manchar a imagem do país, até a afugentar pessoas estrangeiras que deveriam estar a entrar e a investir.


NI: As negociações arrastam-se há muito tempo, o que pode pôr em causa o calendário eleitoral que tem em vista já as eleições gerais a 15 de outubro próximo. Acha que as negociações serão concluídas de forma positiva antes das eleições?

AD: Eu acredito. Acredito porque, apesar de tudo, os da FRELIMO também são moçambicanos. Conversamos, somos irmãos, somos primos. Há diferença das ideologias. Por exemplo, eu sou da família da direita, o meu partido é de centro-direita. A FRELIMO é da esquerda, embora já fala do socialismo, entre aspas, mas é da família esquerda. Acredito que dentro da FRELIMO há gente de boa vontade, que também estão a fazer pressão ao líder, que é o Guebuza, para que as coisas corram mais rápido – porque de facto, como estava a dizer a sra. Jornalista, as eleições estão marcadas para o dia 15 de outubro.

15 de outubro já está quase. É preciso pré-campanha, é preciso mandar fabricar o material. O país pobre, os partidos precisam de facto de arrajar financiamento etc. Mas do meu lado, como eu disse que mandei cessar-fogo, eu já não queria ser obrigado a voltar a disparar mais. Seria uma experiência para aproveitarmos, passaria a ser um dado adquirido. Era a questão do outro lado corresponder. Porque, de facto, o quê faltou? É preciso desenharmos a estratégia ou a política de defesa e segurança. Que tipo de exército precisamos?
Portanto, logo que houver ou entendimento sobre a política de defesa e segurança e rubrificarmos, até pode ser aproveitado nesta semana, eu e o Guebuza sentarmos num sítio qualquer e fazermos o acordo e cessarmos fogo. Eu, portanto, gostaria de facto que cessássemos fogo de vez, mas cessar-fogo com garantias de que não haverá nenhum dos lados que irá retomar para desestabilizar o país. Cessar o fogo com base num acordo apadrinhado, testemunhado por alguns países importantes garantes da paz no mundo.


 Foto: Ismael Miquidade

Escute a entrevista aqui:  http://www.dw.de/gostaria-de-facto-que-cess%C3%A1ssemos-fogo-de-vez-diz-afonso-dhlakama/a-17635258

terça-feira, 6 de maio de 2014

Fotografia de Mário Macilau espelha interligação de emoções

Mário Macilau é hoje o sinónimo de fotografia em Moçambique. Mas o seu nome brilha mais no estrangeiro onde roda as galerias e exposições bem conceituadas. Já foi premiados vária vezes e quase não pára na sua terra natal, onde também tem exposto. Os seus retratos tem uma inconfundível marca, e espelham emoções profiundas que o fotógrafo diz serem o resultado também de uma troca de emoções. A sua origem humilde torna o seu talento e a sua pessoa singulares. Define-se com autodidata, e considera que a paixão é a razão de tão bom trabalho. Mas isso Macilau só descobriu depois de um desencontro com os seus sonhos de infância. Entrevistei o fotógrafo para a DW África:



Foto: Mário Macilau


Nádia Issufo (NI): A fotografia foi algo inesperado no seu destino?

Mário Macilau (MM): Sou autodidacta, o quer dizer que aprendi a fotografar tudo sozinho. Mas através de pequenas experiências que fui tendo ao longo do tempo.

NI: Sabemos que nos tempos que correm a técnica é muito importante para qualquer profissão. Sente nalgum momento a falta dessa técnica? Acha que isso o prejudica de alguma maneira?

MM: Não, acho que é ao contrário. Porque sou autodidacta e, sendo assim, sou de opinião que não se ensina a ninguém a ser artista. Primeiro, existem certos elementos que são importantes. É acima de tudo a questão de se fazer ou de praticar o que se faz com alma. As coisas devem vir mesmo do coração e tem que haver uma paixão para tal. Então, eu não posso ir à faculdade ou a qualquer escola de arte ou de fotografia para aprender a ter paixão naquilo que quero fazer.

  NI: Sabe que o seu historial de vida torna o seu trabalho, a sua arte, o seu talento muito mais interessante. Sabemos que de vendedor de rua, batalhador pela sobrevivência, passou a fotógrafo conceituado internacionalmente. Durante esse percurso difícil teve obviamente um sonho de vida, que não era ser fotógrafo, como já disse. O que é que queria ser?

MM: Imaginei várias vezes o meu futuro. Antes queria ser jornalista, depois queria ser motorista, depois segurança, depois queria ser traficante! Então, foram sempre essas ‘imaginações’ que tive como sonho.

NI: E em que momento sonhou ser traficante? Nalgum momento de desespero?

MM: Não, não tinha nada a ver com desespero pessoal. Tinha a ver com a forma como eu via o mundo. E, na verdade, eu queria ser traficante ou ladrão mais para ter dinheiro para poder ajudar os pobres.

  
Foto: Mário Macilau

NI: Uma espécie de Robin dos Bosques ou, no caso, de “Robin da Cidade”…
MM: Sim. (risos) Exatamente!

NI: E a sua família naturalmente não o apoiou nessa ideia.

MM: Exato. Não apoiaram.

 NI: Sei que a sua família respeita o seu amor pela fotografia, mas também sei que não o compreende. Por que motivo?

MM: Neste caso estamos a falar de classes. Eu venho de uma família de classe baixa. Quando comecei a fotografar não sabia e não entendia nada sobre arte e nem sabia o que estava a fazer. Comecei a fotografar há 15 anos atrás. Tinha 15 anos quando descobri essa minha paixão pela fotografia. Comecei a fotografar apenas por paixão, porque sentia prazer, porque gostava, mas não sabia o que estava a fazer.


NI: Disse que vem de uma família pobre. E uma máquina fotográfica custa caro. Como foi conseguir a primeira máquina?

MM: Consegui a primeira máquina fotográfica porque era o mais velho na minha família. A minha mãe tinha um telemóvel, que estava sob a minha responsabilidade, e daí apareceu alguém com uma máquina fotográfica para vender. Mas eu não podia comprar essa máquina. Então fiz a proposta de trocar o telemóvel pela máquina fotográfica. A pessoa nem pensou duas vezes e fizemos o negócio.

NI: O que é que mais gosta de fotografar?

MM: A minha fotografia é documental. Trabalho mais com as pessoas e com as histórias ligadas ao dia-a-dia da nossa sociedade, com a forma como as pessoas vivem e como se relacionam. Trabalho também com questões ambientais, património cultural. É a área em que tenho trabalhado mais.


NI: Gosta de fotografar apenas pessoas e situações referentes a Moçambique ou tudo o que achar interessante que aconteça no exterior?

MM: A minha fotografia não tem fronteiras. Mas é claro que a fotografia documental depende do tempo e do assunto em causa.

NI: Como é fotografar, ou melhor, mostrar e registar as emoções das pessoas, sentir a emoção, o clima, o ambiente? Como é que consegue fazer isso?

Foto: Mário Macilau


MM: Não é algo assim tão complicado, mas as pessoas devem aprender a fotografar não simplesmente com a câmara. Tem de haver uma interligação de emoções. Quando se faz um trabalho com emoção, o trabalho também sai bem. Quando estou a fotografar, não é simplesmente uma forma de tirar algo das pessoas. Também tenho que dar a minha emoção para poder tirar a emoção das pessoas e colocar as duas emoções numa imagem. Faço a fotografia com todo o meu amor e carinho e daí consigo também ter a fotografia com esse tipo de sentimentos.

NI: A maior parte das suas fotografias é a preto e branco. Porquê?

MM: Para mim, a fotografia a preto e branco representa o nascimento da fotografia. E, para além disso, existe algo que para mim é muito importante: a fotografia a preto e branco é mais persistente em relação à fotografia a cores. É mais poética e persiste muito. Pode ver-se a mesma fotografia durante anos sem ficar cansado. E uma fotografia a cores é menos dramática. Tem uma força muito grande, mas apenas nos primeiros momentos.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/m%C3%A1rio-macilau-sin%C3%B3nimo-de-fotografia-em-mo%C3%A7ambique/a-17613993

quarta-feira, 2 de abril de 2014

As dissiminações do Contraditório

Em África a Bíblia, a cultura e os comportamentos super-machistas são as armas mais usadas para legitimar o combate aos homossexuais. Embora no continente africano algumas vozes se vão erguendo exigindo respeito a estes, as vozes mais altas e o incentivo a proteção chegam da Europa. Mas pergunto só, por exemplo, quem levou a Bíblia para África? Portanto, não fico nada comovida com os esforços dos europeus para contradizer o livro sagrado. Ele parou no tempo? Está desatualizado? Precisa de um "refresh"? Óptimo, prossigam o trabalho, ou seja, desacreditem a Bíblia, o que hoje vos pode custar sangue, tal como custou aos africanos durante a "envangelização"

Não há concentração no alvo
Mas o absurdo deste processo de esclarecimento sobre as liberdades sexuais é ver que em jeito de defesa alguns defensores estão mais preocupados em comprovar que a homossexualidade não foi levada para África pelos europeus, mas que isso já existia, embora camuflada, em várias sociedades. Ou seja, é uma energia gasta no sentido errado, afinal não é o esclarecimento sobre as liberdades sexuais dos indoviduos que está em causa? E se os bodes espiatórios são chamados ao campo de batalha porque preferem não "ver" a Bíblia?

Porque caminhar ao mesmo passo? 
Mas outra questão surge, será que mais uma "lavagem cerebral" é justa e legítima? Obrigar o mundo a andar ao mesmo ritimo e querer derrubar a essência enraizada na cultura dos indivíduos a uma golpada só, é muita prepotência. O Ocidente defende cada vez mais o respeito pelas liberadades. Será que com base nesse príncipio a cultura alheia, crenças e hábitos estão excluídos? Porque não respeitar a forma de ser da maioria dos africanos? Isso mostra que a mentalidade do "outro" ainda é algo a combater.

Legislação, o ponto chave 
Criar uma legislação que defenda os homessexuais de qualquer tipo de agressão é mais do que humano e urgente. Por isso sensibilizar também é urgente, mas não é válida a frase "faz o que eu digo e não o que eu faço." Como um país como os Estados Unidos da América, que permanentemente dá lições de liberadade e democracia ao mundo, tem nalguns Estados políticas de governação que excluem homossexuais? Sob o ponto de vista do conservadorismo religioso, que limita as liberdades sexuais, onde está ele concentrado? Onde tem ele um poder político e decisório muito grande? Não é de certeza em África.

Existem "Khossas" em São Tomé e Príncipe?

Todos os meus conhecidos de São Tomé e Príncipe tem nome de branco, para ser mais clara de branco português: Edlena Barros, Ramusel Graça, João Carlos, e por ai fora. Antes de os conhecer, fisicamente, quando ouvi os seus nomes pela primeira vez pensei, bem, devem ter algum vestígio de brancos ou até serem. Vá lá, não digam que não fazem esse tipo de associações preconceituosas e erradas. Pelo menos eu já confessei... Para o meu espanto, e punição de raciocínio, apenas um tem sangue português. E ao longo de quase 6 anos de observação perguntei a um deles porque os são-tomenses só tem nome de brancos, mas não obtive resposta. Fui insistindo com alguns, mas nada. Será que a falta de resposta está na colocação da pergunta? Melhor é perguntar se existem nomes originalmente são-tomenses...
Até que "um mais velho" do país confirmou a minha constatação e explicou-me a origem da situação. Em jeito de brincadeira, mas falando a verdade, disse-me: "fomos achados, é isso." Na explicação dele os portugueses foram atribuindo nomes aos autóctones a seu bel prazer. O mais velho conta que os colonos punham nomes aos seus futuros trabalhadores nas roças de cacau e café, as criança eram baptizadas segundo determinação do patrão. 
Por outro lado, os são-tomenses queriam sentir-se portugueses, na opinião do mais velho eles eram aculturados, tanto é que proibiam as suas crianças de falarem as línguas locais. 

Identidade aniquilada?
Em África o nome muitas vezes está associado a identidade, a origem, a linhagem. Por exemplo, em Moçambique os Matolas pertencem a linhagem ou clã com o mesmo nome provenientes da região da Matola, os Pfumos, ou Fumos, (na versão "aportuguesada") são de Maputo, os khossas de Gaza, etc. Esta realidade é que aumentou a minha curiosidade em relação aos são-tomenses, será que não existiram clãs ou grupos étnicos em STP? A resposta do mais velho não foi conclusiva, mas disse-me que existem os angolares, de origem Bantu, e os Forros, mas que todos se deixaram "perder". 

A relação colonos-são-tomenses é muito semelhante a relação colonos-moçambicanos, mas em Moçambique encontramos António Mondlane, o primeiro nome português e o segundo moçambicano, Maria Pachinuapa, o primeiro português e o segundo moçambicano, e por ai a fora. Tal como encontramos Alfinete Sabonete ou Máquina Sabão, e diz-se também que a culpa é dos portugueses....

Foi o facto de pertencer a uma lugar onde a miscigenação de nomes predomina que me deixa com dúvidas. Talvez possamos acabar com o assunto e considerar João, António, Edlena e Ramusel também como nomes moçambicanos e são-tomenses, tal como o Português também já é nossa língua. Mas não era isso que pretendia questionar. 

Cabo Verde, os filhos...
Uma amiga moçambicana que estudou em Portugal dizia-me em jeito de desabafo e de piada: "Dos PALOP o único filho de Portugal é Cabo Verde, o resto são enteados." Riamo-nos, mas entendo a "preferência". Há uma lenda, ou história, que justifica isso, segundo a minha professora de Literaturas Africanas Comparadas, Deus fez o mundo e quando terminou sacudiu os dedos e o barro salpicou formando as 10 Ilhas que compõem o Arquipélago, e assim surgiu Cabo Verde, país desabitado. Já os factos reais mostram que os portugueses completaram o trabalho de Deus levando para lá judeus indesejados na Europa, depois que fizeram das ilhas um entreposto de escravos trazidos do costa africana, principalmente do Senegal. Com a colonização então a "mistura" registou um boom. Por isso também se diz que em termos de identidade africana dos PALOP Cabo Verde é o que menos a tem. Por isso nunca me espantei com os seus nomes. Mas são Tomé e Príncipe? Bem, acho que um estudo aprofundado poderá fazer-me mudar de ideias, até lá fica aqui a minha observação e escasso conhecimento.


segunda-feira, 31 de março de 2014

MDM busca modelos de governação na Alemanha

Manuel de Araújo, o presidente do Município de Quelimane, em Mocambique, na última semana participou do chamado “Programa de Convidados” do Governo da Alemanha, que este ano discutiu o tema “descentralização”. Em Berlim participam no evento políticos de diversos países que visitam instituições públicas e fundações alemãs. Neste ano, participam delegações de Angola e Moçambique. A troca de experiências ocorreu a nível autárquico, estadual e municipal e tem diversas discussões ao longo de quatro dias - como a transformação das cidades e municipalidades e a experiência alemã no âmbito da descentralização e federação. Entrevistei para a DW África Manuel de Araújo, do MDM, a segunda maior forca da oposição mocambicana. Comecamos por lhe perguntar o que espera colher desta iniciativa.





Nádia Issufo (NI): O que espera colher desta iniciativa.?

Manuel de Araújo (MA): Se tivéssemos que observar ou nos inspirar em um modelo, eu penso que a experiência alemã é aquela que mais se aproxima da verdadeira autarquia porque “autarquia” significa “governo autónomo”. Aqui nós conseguimos ver os poderes que as autarquias têm em termos patrimoniais, financeiros e administrativos. Eu acho que há alguns elementos que podem ser emprestados deste modelo que virão a ser benéficos para a gestão dos assuntos locais em Moçambique. Pensamos que é uma experiência a ter em conta e que há aspectos, especialmente nas fianças locais, que nós poderíamos emprestar e aplicar no caso moçambicano.

NI: Como é gerir um município cuja gestão financeira está ligada à governação central, que está nas mãos de um outro partido?

MA: Agora a situação melhorou um pouco porque, nas últimas eleições [autárquicas] de 20 de novembro, conseguimos ter 69% do legislativo de Quelimane. Mas durante dois anos, eu estava a dirigir um município sem bancada. Para fazer aprovar o orçamento e o plano de atividades eu dependia da boa vontade ou da minha capacidade de negociação tanto com a bancada da RENAMO como a da FRELIMO.

NI: As eleições gerais estão à porta, previstas para 15 de Outubro. Para este pleito, o que Manuel de Araújo ou o MDM pretende tomar emprestado da governação alemã?

MA: Que os órgãos eleitorais sejam transparentes. Por acaso, hoje, [os novos integrantes da Assembléia Municipal] tomam posse no Gurué. Nós vimos que as eleições tiveram de ser anuladas no Gurué porque o STAE, a CNE ou a FRELIMO tentaram influenciar ilicitamente às eleições. A fraude nas eleições [é uma palavra que] deve ser banida do dicionário político moçambicano. Esta é uma boa prática que gostaríamos que todos os atores políticos de Moçambique se inspirassem. Nós queremos eleições livres. Também gostaríamos de contar com a observação de integrantes de partidos, de fundações e organizações da União Europeia ou do Estado alemão em vários níveis.

NI: A atual composição da CNE e do STAE vão favorecer maior transparência e justiça nos próximos processos eleitorais em Moçambique?

MA: Nós pensamos que não, mas dize-se: “quem não tem cão caça com gato”. Quando fomos às autárquicas, estávamos em pior posição do que agora. Melhorou um pouco, mas ainda não chegamos ao nível desejado.

NI: A observação internacional dos processos eleitorais seria uma alternativa?

MA: No caso do Gurué e de Quelimane, a presença da observação nacional e internacional foi fundamental. Se não tivéssemos os observadores, os resultados não teriam sido aqueles que temos hoje. Para nós é crucial.

NI: Em Moçambique pratica-se muito a pré-campanha eleitoral em contexto ilegal. Isso já está a acontecer com o partido FRELIMO. Como esperar um ponto-final nesta situação?

MA: Ainda bem que estão aqui conosco quadros do Estado moçambicano. Espero que aprendam desta experiência. Mesmo agora, no Niassa, o Presidente da República está a apresentar o candidato da FRELIMO, o que eu acho ilegal – usar fundos do Estado para fazer campanha eleitoral de um partido.

Escute a entrevista aqui:  http://www.dw.de/stae-e-cne-influenciaram-ilicitamente-as-elei%C3%A7%C3%B5es-no-guru%C3%A9-diz-ara%C3%BAjo/a-17507782

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

RENAMO acusa exército de traficar armas


O ministério da defesa de Moçambique nega que elementos do exército estejam a fazer tráfico de armas e comercialização de mercúrio provenientes também de armas, como acusa a RENAMO, o maior partido da oposição. A FOMICRES, ONG moçambicana que trabalha com questões ligadas a armas, valida grande parte da justificação do Ministério da Defesa, mas confirma o comércio de mercúrio no país. Entrevistei para a DW África o director da FOMICRES, Albino Forquilha, para compreender as possibilidades desta denúncia constituir verdade.


Nádia Issufo (NI): Com base no tranalho que a sua ONG faz confirma a existência de tráfico ilegal de armas?

Albino Forquilha (AF): A minha ONG tem estado muito envolvida em pesquisas sobre a proliferação de armas, e temos trabalhado também nas zonas fronteiriças, sobretudo com a África do Sul, Zimbabué, Zâmbia e Malawi, e o que lhe posso dizer é que não temos nenhuma evidencia que haja tráfico de armamento de Moçambique para fora do país. Mas temos conhecimento que tem havido moçambicanos que usam o armamento antigo vindo da União Soviética e explosivos, que suspeitam que o seu fabrico envolveu mercúrio. Tivemos casos de acidentes no país de pessoas que procuram abrir estes explosivos a procura de mercúrio para posterior venda. Mas de uma maneira institucional, a partir do exército e outras instituições que estejam ligados ao armamento, a fazerem tráfico dele para a RDC, não há evidência alguma.

NI: O exército também acusa o exército de estar a usar armas B11, a que eles chamam de armas de destruição maciça. Sabe algo em relação a isso?

AF: Há três semanas houve uma acusação da RENAMO onde diziam que o exército estava a usar armamento pesado, inclusive aviões contra as sua tropas na Serra da Gorongosa. Houve de facto muitos tiros, mas o que de facto se confirmou, e tenho elemento da minha ONG a trabalharem nestas zonas, o que se confirmou é que houve o uso de metralhadoras, armamento que não é AKM, é uma arma com mais capacidade, houve uso de RPG7, vulgarmente conhecida por bazuca, e sim uso de algum armamento como B21.
  

NI: E quais são as consequência do uso de armamento do tipo B21? O seu uso é proibido internacionalmente?

AF: O uso deste armamento não é permitido quando se trata de uma acção policial, mas estamos a falar de um assunto político-militar. O que o exército fez foi procurar dispersar os militares da RENAMO que se concentram na Serra da Gorongosa, provavelmente onde esteja o seu líder a fazer a preparação das incursões que acabam em ataques a civis e infra-estruturas sócio-económicas. O exército terá usado armamento um pouco a cima da AKM para poder fazer esta dispersão...

NI: Mas B11 não?

AF: Não tenho conhecimento de que se tenha usado B11 como tal. Também tenho conhecimento que não civis feridos.

NI: O Governo tem capacidade de supervisionar e controlar a movimentação das suas armas neste tipo de contexto?

AF: Tem a capacidade de controlar as armas sobre o seu poder, a única capacidade que está longe de ser conseguida pelo Estado moçambicano é do controlo das sua fronteiras; marítima, aérea e mesmo terrestre. Pode haver de facto entrada ilegal de algum armamento, ainda não temos capacidade, como Estado de controlar isso.


http://www.dw.de/renamo-denuncia-tráfico-de-armas-para-extrair-mercúrio/a-17465513

Comité Central da FRELIMO em polvorosa

Começou nesta quinta-feira o Comité Central da FRELIMO, o partido no poder em Moçambique. A escolha do seu candidato com vista às eleições presidenciais a acontecerem em outubro próximo é o tema polémico e em destaque. É que a Comissão Política do partido nomeou três pré-candidatos à sucessão de Armando Guebuza, a contra-gosto da chamada velha ala da FRELIMO. Ela exige que seja alargado o leque de opções. E na sequência disso várias correntes no país já dizem que a hegemonia do Presidente Armando Guebuza está em queda livre, pois os contestados pré-candidatos são vistos como seus delfins, e assim qualquer ambição de Guebuza cair por terra. E sobre o assunto que entrevistei na quarta-feira, para a DW África, Baiano Valy, jornalista e analista político moçambicano.


Nádia Issufo (NI): O que se espera deste encontro que termina no próximo domingo?

Baiano Valy (BV): Será uma sessão muito renhida, com debates muito acesos, porque há elementos que indiciam para tal constatação. Antes desta sessão, houve um encontro da Comissão Política, e, na última semana, a ACLLN, que é a associação dos antigos combatentes da FRELIMO, veio a público dizer que não se revia nesses três candidatos, afirmando que era necessário alargar o leque das possibilidades.
Por isso, acho que esse será um ponto prévio, a inclusão de mais candidatos. Penso que um outro ponto prévio será a reestruturação do atual Secretariado-Geral, em que também a ACLLN não se revê, por ele ter cometido várias falhas.

NI: Acha que as especulações sobre divergências no seio da FRELIMO podem vir a ser confirmadas de forma clara depois do Comité Central ou mesmo durante o próprio Comité?

BV: Em momentos conturbados como esses temos visto essas clivagens no seio da FRELIMO. No entanto, quando termina uma sessão do partido, principalmente quando essa sessão tem os problemas bem resolvidos, a FRELIMO aglutina-se como um todo.
Penso que durante o Comité Central essas clivagens serão bem claras. No entanto, se a questão for bem resolvida e se o candidato à Presidência for alguém que reunir o consenso da maioria dos membros do partido, a FRELIMO não fará outra coisa senão aglutinar-se e apoiar esse candidato.

NI: Uma cisão, com a saída de membros da FRELIMO para formar um outro partido, à semelhança do que já aconteceu, por exemplo, na África do Sul, é um cenário absurdo?

BV: Não estou a ver membros da FRELIMO a sair para formar um outro partido. Porque, nesse momento, quem aparece a contestar publicamente são os membros da chamada "velha guarda". E penso que, provavelmente, não terão a força suficiente para saírem do partido e criarem um outro.
Se essa contestação viesse, por exemplo, da nova geração, aí poderíamos antever uma cisão. Não podemos dizer que é, de todo, um absurdo, porque em política tudo é possível.

NI: No final do Comité Central da FRELIMO, caso sejam propostos outros nomes como pré-candidatos, acha que a imagem de Armando Guebuza pode sair prejudicada, uma vez que os atuais pré-candidatos são vistos como os seus possíveis delfins?

BV: A imagem do Presidente Guebuza já está beliscada, porque a partir da altura em que a Comissão Política aparece publicamente a dizer que havia escolhido estes pré-candidatos, foi aí que as vozes no interior da FRELIMO começaram a levantar-se.

NI: Dada esta negação em relação aos pré-candidatos propostos, acredita que o poder de Armando Guebuza no seio do partido FRELIMO está na reta final?

BV: Acredito que sim, porque a governação do Presidente Armando Guebuza foi uma governação de medo. Olhando para aquela máxima de Nicolau Maquiavel que dizia "vale mais um líder ser amado ou ser receado? Talvez seja melhor que seja receado", então Guebuza governou e inspirou esse medo no seio dos militantes da FRELIMO, tanto que alguns que apareciam a dizer que não concordavam com algumas das decisões foram colocados de lado.
Os militantes vão lá com uma missão bem clara que é: "não podemos permitir que esse senhor continue por muito tempo aos lemes dos destinos do partido."

Também disponível aqui:  http://www.dw.de/substituto-de-guebuza-é-a-polémica-por-resolver-no-comité-central-da-frelimo/a-17459925

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

João Pereira "conforma-se" com bipolarização política em Moçambique

Em Moçambique a CNE voltou a ser partidarizada, contrariando a tendência de despartidarização em curso no país. Na negociação da crise político-militar, entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, o maior partido da oposição, assim foi decidido. De lembrar que a CNE numa primeira fase era partidarizada, e mais recentemente composta principalmente por membros da sociedade civil, embora considerados próximos ao partido no poder. Entrevistei para a DW África João Pereira, académico da área de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane, sobre o assunto. 




Nádia Issufo (NI): O senhor não considera a nova partidarização da CNE um retrocesso ao processo de democratização?

João Pereira (JP): Eu pessoalmente acho que não. Nós estamos na construção do processo democrático, quando o nível de confiança dos atores, dos partidos e dos cidadãos em relação às decisões políticas é muito baixa. Muitas vezes, a falta desta confiança tem criado condições para potencializar este conflito. Se isto vai ajudar aos atores políticos – neste caso a RENAMO, o MDM e às outras forças políticas – a confiar mais na Comissão Nacional de Eleições e no STAE, então, à própria estabilidade do país, acho que é um risco que deve se correr.

NI: Mas não há o risco de RENAMO e FRELIMO capturarem a CNE criando uma espécie de "bipartidarismo"?

JP: Sim, mas esta é a história deste país nos últimos 10, 15 anos. Sempre foi gerido dentro da lógica da bipolarização. Então, se os eleitores dão a legitimidade à RENAMO ou à FRELIMO para representar os seus interesses, não serão organizações da sociedade civil nem a vontade externa que vai impor esta vontade interna.
O sistema político moçambicano, neste momento, é bipolarizado e é a partir da bipolarização que vai se construir as decisões democráticas. Até que se chegue a uma altura que o próprio MDM ou outra força política consiga fazer frente à esta bipolarização.








NI: E avançar com a sociedade civil, como havia sido feito anteriormente, não seria muito mais transparente e justo?

JP: Eu sou moçambicano e ando há muito tempo a procura da sociedade civil que não seja politizada. Todas as organizações da sociedade civil, direta ou indiretamente, têm seus interesses. E, muitas das vezes, quando você tem atores como, por exemplo, o partido FRELIMO, RENAMO, MDM ou outras forças políticas, que você não tem consciencia da sociedade civil, então como esta sociedade civil pode garantir a neutralidade se estes atores políticos não tem confiança nestas mesmas organizações da sociedade civil.

Então é um caso muito complexo que vai se construindo diariamente. E, se calhar daqui a 15, 20 anos, quando houver reformas profundas na sociedade, e, por outro lado, com uma classe média muito mais forte do esta que existe atualmente, talvez teremos instituições independentes. Este é um processo normal da construção e reconstrução do sistema político de Moçambique. Nós vamos ter estes momentos frquentemente pelos próximos cinco, sete, oito anos – que são momentos de avanços e recuos. Só assim que vamos construir as instituições políticas.

NI: Existem duas outras instituições notadamente partidarizadas: o Conselho Constitucional e o Exército. Com esta repartdarização da CNE, o senhor acha que não há chance de despartidarização destes outras instituições?

JP: Nos próximos tempos, vamos ter uma situação muito semelhante a outros países africanos em processo de transição. Então, isto não é muito preocupante neste momento. Temos que criar condições para que as instituições se consolidem a partir do aumento da Educação e da Cidadania das pessoas. Segundo, a partir da mudança geracional em nível dos partidos políticos.
Com esta mudança geracional, acredito que nos próximos 10, 15 anos, teremos condições suficientes de criar instituições políticas que não sejam muito capturadas pelas forças políticas – neste caso RENAMO e FRELIMO – mas que comecem a existir outros atores sociais e políticos. Por exemplo, a emergência do MDM também vai permitir a mudança do jogo político. A emergência de uma sociedade civil, de uma classe média e das academias mais fortes podem contribuir imensamente para o aumento da credibilidade e garantia de transparência e neutralidade das instituições políticas.

Escute a entrevista em:  http://www.dw.de/partidariza%C3%A7%C3%A3o-da-cne-em-mo%C3%A7ambique-n%C3%A3o-%C3%A9-retrocesso-diz-analista/a-17440922

Em STP Presidente tenta manter exército sob controlo

Uma crise militar agita São Tomé e Princípe. E para resolver isso sucessivos encontros entre o Presidente Manuel Pinto da Costa e o Conselho Superior de Defesa Nacional estão em curso. Recorde-se que a insubordinação dos militares, ao recusarem-se prestar as honras militares ao Presidente, foi a gota de água.  É que o exército queixa-se dos salários, más condições de vida e incumprimento de promessas. O facto acontece num altura em que o país vive ainda uma crise político-social e em ano de eleições. Entrevistei para a DW África o analista santomense Olivio Diogo sobre o impacto da crise militar no atual contexto.


Nádia Issufo (NI): A insubordinação pode trazer consequências negativas para o poder político?

Olívio Diogo (OD): Qualquer tipo de insubordinação vindo das forças militares ou paramilitares traz consequencias gravíssimas para o Poder Executivo. Ao longo desta semana houve vários Conselhos de Estado, quando o Presidente da República reuniu-se com os mais altos dirigentes militares. O chefe das Forças Armadas anterior já havia perdido o controle da situação. É preciso dizer que, neste momento, há uma proposta de substituição do brigadeiro e de sua equipa. Daí que vamos ver como esta nova equipa se articula com os militares.

NI: Disse que não há controle sobre os militares. Face a esta situação é possível que o Exército seja manipulado por alguma força de oposição para um golpe de Estado?

OD: Não. No meu ponto de vista não há uma manipulação por parte dos partidos de oposição para que isto aconteça. A criação do brigadeiro, a promoção do conjunto de militares, a separação do Comando Geral das Forças Armadas do Quartel General para uma outra instância foi uma criação do partido do primeiro-ministro. Eu não perceberia como este partido que havia criado esta situação conspiraria contra a seu própria obra. Este bloco que foi criado é que está sendo posto em causa pelos militares.

NI: Depois da Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe é o país africano de expressão portuguesa que mais tem golpes de Estado registados em sua história. Vê a possibilidade de uma volta a esta prática?

OD: Os golpes de Estado que acontecem em São Tomé e Príncipe são diferentes do que acontecem na Guiné-Bissau. Porque um golpe de Estado que um presidente é reconduzido ao poder é o que podemos chamar de insubordinação. Nesta altura, se me disser que há condições para que isto volte a acontecer, eu não acredito. Porque há uma parte dos militares que está descontente com a direção e esta direção está disposta a se afastar. Eu estou convencido que a situação se normalizará.

NI: Em que medida o apoio de Angola a Manuel Pinto da Costa pode intimidar possíveis ações contra ele?

OD: Pode se considerar de certa forma ingerência porque o Manuel Pinto da Costa tomou o poder ele já tinha convidadoo alguns militarse. No meu entender isto não vem a promover nada e contribue para criar mais desconfiança na população. Quando o presidente toma esta atitude com a intenção de intimidar os nossos militares, isto pode ter manifestações contrárias. Eu acho que seria um erro estratégico do Presidente Manuel Pinto da Costa recorrer aos militares estrangeiros.

NI: São Tomé e Príncipe vive uma certa tensão social político-social. Como interpreta esta situação em um ano de eleições?

OD: Os partidos políticos não estão a transmitir confiança a população. A cada dia que passa, entendem-se menos entre eles. A cada dia que passa, chama-se por uma posição mais ativa da sociedade civil porque os partidos estão perder a confiança.

Escute a entrevista em:  http://www.dw.de/militares-entregam-proposta-ao-governo-em-s%C3%A3o-tom%C3%A9-e-pr%C3%ADncipe/a-17441154

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O branco da vida


Envelhecer precocemente é um acto de irreverência para com o próprio tempo, é desafiar os ponteiros do relógio, de forma voluntária ou não,  para uma corrida contra o tempo: quem me leva primeiro a morte, tu ou eu?  Tirando os casos de doença as vezes invejo os que se rebelam contra ele em nome de grandes prazeres- É preciso saber morrer, saber fazer do tempo seu criado, fazer dele o que quisermos, domina-lo. Escolher se queremos morrer com o pó do tempo ou o pó da vida. Entretanto, tal um como outro exigem as suas manhas quando se trata de ludibriar os ponteiros, por exemplo, a mentira tem grande utilidade para elevar a auto-estima e para manter crédulos e "fieis" os mais inocentes quando se opta pelo pó do tempo.

E passo a contar um caso:
Enquanto o meu filho mergulhava profundamente os olhos nos meus espessos cabelos eu adivinhava a pergunta seguinte, e claro acertei: "Mãe, estás a ficar velha??" Mas os meus cabelos brancos também não surgem a toa, enquanto ele se concentrava na pergunta eu me concentrava na resposta: "Não meu filho, é charme." Charme para os inocentes, mas não burros, pelo que entendi, deve equivaler a dizer: "O pai natal traz-te um tablet se não bateres os meninos na escola", pois muito desconfiado ele perguntou: "O que é charme mãe?" E eu toda empertigada com o pescoço mais alto do que uma girafa, a postura de uma gazela e o olhar de um felino respondi embrulhando-o em manto de palavras desconexas e gaguejei: "Charme é quando uma pessoa, é assim, assim... sabes, linda..." E o pequeno com o olhar mais cheio de pó do tempo do que os meus respondeu: "Mãe, está a mentir, não é?" E caímos dos dois, cúmplices, numa gargalhada boa.

Pronto, escolhi tossir o resto da vida com o pó do tempo, mas descubro a cada dia que a mentira é como um xarope para me aliviar dos escarros...




quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Suabura de quem?

Para a Cristina:

Foto: Cristina K.

O gato da casa da minha avó só era preocupação quando não aparecia para comer e estava doente. Detestava quando passava a sua cauda pelas minhas pernas a cobiçar o meu peixe e ficava debaixo da minha cadeira, mas a minha avó diz que isso significa sorte. Mas para ele significa azar, porque nunca lhe dou de comer, mas o meu avô partilhava sempre a sua comida com ele.
O gato da casa da minha avó é sortudo, pois na terra da minha avó, e do gato, e na casa dela, abunda o peixe.
Mas o gato da casa da minha avó não tem casinha especial, brinquedos, e também ele não trepa para o colo da minha avó. O gato sabe que tal acto resultaria numa dura penalização.
Na verdade são os gatos da casa da minha avó, porque desde que existo que os vejo lá, e acho que não é a custa das suas sete vidas. Os meus primos dizem que todos os gatos em Inhambane se chamam Suabura, mas até hoje não sei se é piada ou verdade. O que é verdade é que hoje percebo que tenho inveja dos gatos da casa da minha avó, pois os seus longos passeios nunca são questionados, e muito menos os seus namoros. Já quanto a mim...
Eles também  têm livre transito, são como os machistas de "gema", fazem o que querem sem que lhes cobrem satisfações. E não é porque a minha avó não sabe que eles não falam.
A minha avó nem sabe que existe pedigree, portanto todos os gatos são apenas gatos. A noção de pedigree que a minha avó tem, só pode ser aplicada aos humanos. E vista as coisas nessa perspectiva ela conheceu-a pelo lado mais fraco: cafre.

Há alguns anos apareceu na casa da minha mãe um gato. E ela deu-lhe o nome da minha avó, mas a minha avó sentiu-se insultada. Gato não pode ter nome de gente. Para a minha mãe isso era motivo de gozo, mas, claro, nunca na presença da minha avó. Um dia o gato da casa da minha mãe ficou doente e ela mandou uma das suas empregadas levá-lo ao veterinário. A empregada, que foi educada a nunca negar ordens do patrão, violou os ensinamentos e mandou a minha mãe dar uma curva. "O que vão dizer as pessoas quando me vierem com o gato na rua?? Vão se rir de mim!!!", justificou ela. A minha mãe não restou outra saída se não mandar a outra empregada que em meio a risada, embora contrariada, o fez. Cuidar de animais ou leva-los a passear é humilhante para muitos conterrâneos meus, afinal animal é animal e gente é gente, pensam muitos.

Na maioria das casas na terra da minha avó existem gatos, e lá eu nunca ouvi ninguém chama-los de "meu" gato. Porque será?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O "auto-coitadismo" da FRELIMO

Quando os homens armados da RENAMO se estenderam para a província de Inhambane o Governo fez saber, através da imprensa, que criou campos para os deslocados de guerra, ou se preferirem, dos confrontos. Tal como fez saber que o Governo japonês disponibilozou ajuda financeira para as vítimas. Essas são as primeiras demonstrações mais sérias e gritantes de uma falsa auto-comiseração que o Governo da FRELIMO está a fazer. Isso pode significar que anteriores táticas para "demonizar" a RENAMO fracassaram. Por exemplo, o exército é totalmente incapaz de fazer frente aos experientes guerrilheiros da RENAMO, e na mesa de negociações o Governo, que sempre rejeitou a presença de mediadores, mudou de ideia. Também uma tentativa de transportar o conceito de "bandido armado" da guerra civil dos 16 anos para esta guerra não surtiu efeito. Mas desse tempo ainda tenta recuperar a estratégia de auto-vitimização, com as mais recentes ajudas as vítimas. Parece-me que a lição recebida durante a caça ao voto nas últimas eleições autárquicas não surtiu efeito, permanecer na cegueira parece ser o lema da FRELIMO. Mas a  cabeça dos moçambicanos não congelou.

Esticar a corda
Os recentes avanços Centro e Sul parecem-me ser o "As" da perdiz, ela ameaça as zonas estrategicamente económicas de Moatize, em Tete. A presença dos seus homens lá representa uma ameaça para os investimentos das multinacionais mineiras e intimida potenciais investidores. Já para o avanço para o Sul significa uma ameaça ao centro decisório do Governo, a capital Maputo. Essa parece-me um resposta ao "congelamento" da resposta do Governo da FRELIMO sobre a composição da equipa de mediadores na crise. Aliás, está atitude reflete, pelo menos publicamente, a política do contraditório. É que ao mesmo tempo o Governo insiste no discurso vazio de que está aberto ao diálogo. Com o evidente esticar da corda o mais previsil era o seu rebentamento.


Atestado de intransigência
Foi o que Joaquim Chissano passou a Armando Guebuza no contexto da crise ao oferecer-se para mediar a crise. Recorde-se que o ex-presidente moçambicano esteve envolvido no processo que culminou com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz de 1992, que pos fim a uma guerra de 16 anos entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO. Na minha opinião até a tese de que Guebuza catapultou o país em termos económicos torna-se insignificante face a sua falta de savoir faire na mesa de diálogo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

"Monstro Sagrado" fala do "Pantera Negra"

E com a morte do futebolista  Eusébio Ferreira, os que conheceram bem o seu percurso lembram-se de Mário Coluna, outro grande futebolista moçambicano de renome internacional. Jogou igualmente no Benfica de Portugal e foi pela mão deste que o "Pantera Negra" se estabeleceu e integrou em Lisboa a quando da sua chegada. Entrevistei para a DW África Mário Coluna, agora com 80 anos, pedindo-lhe para nos falar sobre a obra de Eusébio e da relação entre eles:

Mário Coluna (MC): O trabalho que fez foi óptimo, portanto não poderia ter sido melhor, pelo que fez pelo Benfica e pela própria selecção portuguesa de futebol. Portanto, que Deus tenha a alma dele em paz.

Nádia Issufo (NI): E em termos de reconhecimento em relação ao trabalho que ele fez, no caso em particular de Moçambique, o que o senhor tem  a dizer?

MC: Ele foi reconhecido, fez-se aqui a homenagem dos silêncios, silêncios, silêncios. Portanto, Eusébio era moçambicano, faleceu moçambicano e o Governo reconhece isso.

NI: Acha que o Governo devia ter feito mais alguma coisa por ele?

MC: Eu acho que fez, se há mais alguém que tinha que fazer era precisamente o Governo português, porque foi ai que ele deu tudo por tudo pelo desporto português.

NI: Também sabe-se que Eusébio, tal como Mário Coluna, investiram as poupanças que foram colectando ao longo da vida em edifícios em Moçambique que depois foram nacionalizados pelo Governo da FRELIMO. A sociedade acha que o Governo vos devia ter devolvido. O que tem a dizer?

MC: A minha opinião é essa mesmo, porque foi um dinheiro que se ganhou fora para se valorizar o nosso país Moçambique. Entretanto, o Governo quis saber porque voltei a Moçambique e eu perguntei: afinal onde nasci? Eu nasci aqui. Pensei em voltar e valorizar o meu país e mais nada. Mas a opinião deles é de que na  política deles não há exploração de homem pelo homem, então contra isso não há argumentos.

NI: Então o Governo nunca manifestou interesse em devolver esses edifícios, ou substitui-los por outros?

MC: Até aqui não, eu vivo numa casa que tive de comprar ao próprio Estado.

NI: Senhor Mário Coluna, pode nos falar sobre a sua relação com Eusébio Ferreira?

MC: Era como se fosse meu filho. Quando ele vai para Portugal levava uma carta da mãe para mim a pedir que eu tomasse conta dele porque em Portugal não tinha conhecidos. E no aeroporto o Eusébio entregou-em a carta, eu abri e li e depois dei-lhe para ler e depois perguntei o que dizia, e ele disse que a mãe pede para o senhor Coluna tomar conta de mim porque aqui em Portugal não conhecemos ninguém. E pronto, eu orientei-o com o dinheiro no banco, para o alfaiate, tudo era comigo. O dinheiro do transporte, do lanche era tudo comigo. Portanto, houve sempre respeito para comigo. No casamento dele eu fui um dos padrinhos por parte da mulher, e da parte dele foi o presidente do Benfica na altura.

NI: E nos últimos tempos como era a vossa relação?

MC: Sim senhora. Todos os anos o Benfica convidava-me para o anivesrário do clube, e juntavámo-nos todos, portanto estava com ele e íamos a um restaurante chamado Tia Matilde, onde nós os benfiquistas íamos. Sempre houve boas relaçõe.

Escute aqui a entrevista: http://www.dw.de/7-de-janeiro-de-2014-manhã/a-17344729



sábado, 4 de janeiro de 2014

Políticas desfasadas continuarão a prejudicar população angolana em 2014

Em Angola 2014 começa com as mesmas dificuldades sociais: difícil acesso a água potável, a energia eléctrica, aos serviços de saúde e educação. E as opiniões sobre a melhoria das condições de vida da população estão divididas, enquanto uns preferem dar o seu votos de confiança ao trabalho do Governo, outros não, por considerarem as suas políticas de desenvolvimento desfasadas. Entrevistei para a DW África o analista político e docente da Universidade católica de Angola, Nelson Pestana:



Nádia Issufo (NI): Espera alguma melhoria nas condições de vida das populações na área social?

Nelson Pestana (NP): Temos de reconhecer que haverá mais infraestruturas, no sentido de criar maiores capacidades de produção, quer de energia quer de água para as populações por isso haverá seguramente mais infraestruturas. Também haverá mais pessoas a acederem a água potável. Só que os ritmos demográficos desses sectores não acompanham os ritmos demográficos do país e por isso vai haver sempre um défice em relação ao acesso à água potável e em relação ao acesso à energia eléctrica. Em relação a saúde a situação não melhorou na medida em que o plano de desenvolvimento do sector está ferido de dois problemas: o primeiro é que diminuiu a parcela do Orçamento de Estado para a saúde, e o segundo é que o dinheiro está destinado aos grandes hospitais, quando os problemas estão nas pequenas unidades sanitárias. Na educação acontece um pouco a mesma coisa, reduziu-se a fatia para a educação e há uma inversão de investimento. O problema da educação está sobretudo na instrução primária de má qualidade, e principalmente no secundário, mas o Governo está a priorizar o ensino universitário.Agora, que tipo de quadros se vão formar? ninguém sabe dar a resposta. Antevemos que serão quadros de má qualidade e que não estarão à altura de competir para os empregos de qualidade que o crescimento económico vai criar.

NI: Então com base na sua explicação pode-se concluir que há uma desfasamento entre as políticas de desenvolvimento e as necessidades da população?

NP: Sem duvida nenhuma, porque as políticas de desenvolvimento são ditadas de cima para baixo segundo os interesses daqueles que têm o poder. Aliás, o grande objectivo estratégico definido pelo Presidente no discurso sobre o Estado da Nação, e que tem repetido em outras intervenções, é dotar de uma grande riqueza um grupo restrito que possa vir a ser a locomotiva do desenvolvimento, e essa política já dura há 15 anos. E agora o Presidente da República diz que quer ser muito rico e é por isso que o país faça agora mais uma vez um esforço no sentido que ele chama de acumulação primitiva nesse pequeno grupo, que tem o próprio Presidente a cabeça, para que seja então a locomotiva do desenvolvimento. Ele chama a isso de um período de transição, só que estamos num período de transição há mais de 15 anos. E o que assistimos é que quanto mais ricos eles ficam, mais investem lá fora, não investem no país. Não temos uma classe uma classe industrial quando há muitos ricos.

NI: Então, no final podemos prever que a população vai continua a viver em más condições?

NP: Vai continua a viver nos musseques, ou nas casas de baixa qualidade que estão a construir, com baixas condições de vida, muitas delas sem saneamento, com falta de acesso a água potável, ou com acesso por chafariz, o que significa que a população tem de se deslocar kilometros ou mesmo metros para se abastecerem de água. Por isso terão um abastecimento de água muito limitado que vai condicionar a saúde pública, a libertação da mulher e das crianças para o desenvolvimento.

NI: Falar na continuidade das manifestações em 2014 contra o Governo é uma certeza?

NP: Com certeza. Está na linha directa disso. As lutas trabalhistas vão se agravar, porque os trabalhadores estão descontentes e vão retomar essa luta ao logo de 2014. Por outro lado, como as questões estão interligadas, a questão social não está separada da questão económica, a económica não está separada da política, continuamos a ter um sistema autoritário, que é unanimemente recusado por toda a nação, por isso as reivindicações de liberdade e bem estar e de uma nova estrutura de oportunidades vão continuar e vão tomar as mais diversas formas de luta.

Escute e leia mais sobre o assunto em: http://www.dw.de/população-angolana-continuará-com-os-mesmos-problemas-sociais-em-2014/a-17340434