quarta-feira, 14 de maio de 2014

Afonso Dhlakama reaparece e repisa as mesmas posições

Em exclusivo para a DW África, o líder da RENAMO falou sobre o conflito político-militar em Moçambique. Afonso Dhlakama garantiu que a segunda maior força da oposição tem muito interesse em acabar com os confrontos militares e acredita que as eleições gerais de outubro próximo irão, de facto, acontencer. Dhlakama, entretanto, deixa claro que o Governo da FRELIMO deve também colaborar. Neste momento, por exemplo, está em cima da mesa de negociações entre as partes a composição do exército nacional e o desarmamento da RENAMO, considerado um dos pontos mais críticos do diálogo.  E a conversa começou por aqui...




Foto: Ismael Miquidade

Nádia Issufo (NI): Como caracterizaria a atual fase negocial em termos de dificuldades?

Afonso Dhlakama (AD): Eu penso que é a falta de boa vontade por parte do Governo moçambicano, ou por parte da liderança da FRELIMO. Lembra-se que o próprio atual Presidente da República, Armando Guebuza, foi o chefe negociador por parte da FRELIMO. Ele conhece muito bem os protocolos que foram assinados em Roma e o Acordo Geral [de Paz], assinado também em Roma, em 4 de outubro de 1992.
Só que quer ele, assim como o outro Presidente - o já reformado [Joaquim] Chissano – foram infelizes, não quiseram cumprir com aquilo que eles rubricaram em Roma, na presença da comunidade internacional, testemunhado o acordo pelas Nações Unidas. Chegaram a enviar, as Nações Unidas, capacetes azuis para supervisionar o cessar-fogo que foi um sucesso e faltou o cumprimento.
Então, isso que estamos a negociar, nem deveríamos estar a negociar - porque apenas estamos a recordar à FRELIMO que vamos implementar o acordo sobre a política de defesa e segurança em Moçambique, para evitarmos que tenhamos o exemplo, não podemos seguir Guiné-Bissau onde os políticos usam os militares a golpearem, isso porque as coisas não foram bem tratadas.
É exatamente que eu estou a bater com o pé. Eu não quero ser obrigado a criar o meu exército, o Guebuza também ter o seu exército. Queremos um exército apartidário, profissional, técnico, em que os comandantes são nomeados pela confiança técnica profissional. Não podemos meter políticos dentro do exército.

gora, sabemos que é o exército nacional, receberam ordens do Presidente da República para atacar o líder da oposição. Por quê? Porque essas coisas não estão definidas. Essas tropas estão como força, o exército pessoal do partido FRELIMO. É isso. Queremos acabar com a partidarização das instituições do Estado.

NI: Confirma que, depois dos acordos de paz em 1992, a composição das Forças Armadas de Moçambique deveria ser de 50% para cada lado - ou seja, 50% do Governo da FRELIMO e 50% da RENAMO?

AD: Exatamente! Está escrito no Acordo Geral de Paz. Não é uma invenção, 50% de cada lado. Só que em 1994, depois das primeiras eleições, o Presidente, na altura o Chissano, disse que não havia dinheiro suficiente para fazermos uma coisa dessas. E mais, seriam 30 mil homens, dos quais 15 mil da RENAMO e 15 mil da FRELIMO, escrito no acordo, assinado por mim e por ele, o Joaquim Chissano.
Mas depois das eleições de 1994, disse que não havia dinheiro. Mas havia dinheiro, só que não queria este exército, onde os [homens] da RENAMO haviam de entrar, porque em seguida criou um outro exército partidário da FRELIMO, chamado Força de Intervenção Rápida [FIR], que até hoje é um instrumento repressivo contra a população inocente. E também agora já estamos a exigir que a RENAMO deve ter 50% desta Força de Intervenção Rápida, porque é uma força praticamente FRELIMO.


 Foto:  FM

NI: Sr. Afonso Dhlakama, durante esta tensão político-militar entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, que já dura muito tempo, tem havido mortes e derramamento de sangue, o que preocupa todos os moçambicanos. O que é necessário para acelerar o fim desta situação?
AD: É o acordo. Já demonstrei boa fé. Neste momento em que estamos a conversar, há a tregua que a RENAMO deu, fez unilateralmente há três semanas. As Forças Armadas passavam muito mal aqui, portanto, não conseguiam transitar de uma posição para outra na distribuição de alimentação. Mas, eu senti pena e dei trégua, isto é, mande cessar o fogo em todo o distrito da Gorongosa. Isto é o coração de um líder que quer a paz. Mesmo quando começaram a complicar sobre o meu recenseamento, dei trégua também numa zona chamada Muxúnguè, no troço entre o rio Save e Muxúnguè.
Desde a quarta-feira da semana passada (07.05.14), parecia mentira, tudo está parado do Ruvuma ao Maputo. Mas eles sempre que vão provocar. A RENAMO limita-se em responder. Só que, quando lamentam, dão a entender como se a RENAMO estivesse a provocar. Não, a RENAMO quer a paz.
Se perguntar hoje, que falou com o Dhlakama e ele disse que está tudo calmo, porque com a sua iniciativa deu trégua, mandou cessar-fogo, todo mundo vai confirmar. Portanto, esta boa vontade que tenho tentado demonstrar, não em termos de propaganda, mas sim no sentido do Estado, como chefe da família, não encontro a correspondência do outro lado. É por isso que sempre tem havido um conflito a prolongar e a manchar a imagem do país, até a afugentar pessoas estrangeiras que deveriam estar a entrar e a investir.


NI: As negociações arrastam-se há muito tempo, o que pode pôr em causa o calendário eleitoral que tem em vista já as eleições gerais a 15 de outubro próximo. Acha que as negociações serão concluídas de forma positiva antes das eleições?

AD: Eu acredito. Acredito porque, apesar de tudo, os da FRELIMO também são moçambicanos. Conversamos, somos irmãos, somos primos. Há diferença das ideologias. Por exemplo, eu sou da família da direita, o meu partido é de centro-direita. A FRELIMO é da esquerda, embora já fala do socialismo, entre aspas, mas é da família esquerda. Acredito que dentro da FRELIMO há gente de boa vontade, que também estão a fazer pressão ao líder, que é o Guebuza, para que as coisas corram mais rápido – porque de facto, como estava a dizer a sra. Jornalista, as eleições estão marcadas para o dia 15 de outubro.

15 de outubro já está quase. É preciso pré-campanha, é preciso mandar fabricar o material. O país pobre, os partidos precisam de facto de arrajar financiamento etc. Mas do meu lado, como eu disse que mandei cessar-fogo, eu já não queria ser obrigado a voltar a disparar mais. Seria uma experiência para aproveitarmos, passaria a ser um dado adquirido. Era a questão do outro lado corresponder. Porque, de facto, o quê faltou? É preciso desenharmos a estratégia ou a política de defesa e segurança. Que tipo de exército precisamos?
Portanto, logo que houver ou entendimento sobre a política de defesa e segurança e rubrificarmos, até pode ser aproveitado nesta semana, eu e o Guebuza sentarmos num sítio qualquer e fazermos o acordo e cessarmos fogo. Eu, portanto, gostaria de facto que cessássemos fogo de vez, mas cessar-fogo com garantias de que não haverá nenhum dos lados que irá retomar para desestabilizar o país. Cessar o fogo com base num acordo apadrinhado, testemunhado por alguns países importantes garantes da paz no mundo.


 Foto: Ismael Miquidade

Escute a entrevista aqui:  http://www.dw.de/gostaria-de-facto-que-cess%C3%A1ssemos-fogo-de-vez-diz-afonso-dhlakama/a-17635258

terça-feira, 6 de maio de 2014

Fotografia de Mário Macilau espelha interligação de emoções

Mário Macilau é hoje o sinónimo de fotografia em Moçambique. Mas o seu nome brilha mais no estrangeiro onde roda as galerias e exposições bem conceituadas. Já foi premiados vária vezes e quase não pára na sua terra natal, onde também tem exposto. Os seus retratos tem uma inconfundível marca, e espelham emoções profiundas que o fotógrafo diz serem o resultado também de uma troca de emoções. A sua origem humilde torna o seu talento e a sua pessoa singulares. Define-se com autodidata, e considera que a paixão é a razão de tão bom trabalho. Mas isso Macilau só descobriu depois de um desencontro com os seus sonhos de infância. Entrevistei o fotógrafo para a DW África:



Foto: Mário Macilau


Nádia Issufo (NI): A fotografia foi algo inesperado no seu destino?

Mário Macilau (MM): Sou autodidacta, o quer dizer que aprendi a fotografar tudo sozinho. Mas através de pequenas experiências que fui tendo ao longo do tempo.

NI: Sabemos que nos tempos que correm a técnica é muito importante para qualquer profissão. Sente nalgum momento a falta dessa técnica? Acha que isso o prejudica de alguma maneira?

MM: Não, acho que é ao contrário. Porque sou autodidacta e, sendo assim, sou de opinião que não se ensina a ninguém a ser artista. Primeiro, existem certos elementos que são importantes. É acima de tudo a questão de se fazer ou de praticar o que se faz com alma. As coisas devem vir mesmo do coração e tem que haver uma paixão para tal. Então, eu não posso ir à faculdade ou a qualquer escola de arte ou de fotografia para aprender a ter paixão naquilo que quero fazer.

  NI: Sabe que o seu historial de vida torna o seu trabalho, a sua arte, o seu talento muito mais interessante. Sabemos que de vendedor de rua, batalhador pela sobrevivência, passou a fotógrafo conceituado internacionalmente. Durante esse percurso difícil teve obviamente um sonho de vida, que não era ser fotógrafo, como já disse. O que é que queria ser?

MM: Imaginei várias vezes o meu futuro. Antes queria ser jornalista, depois queria ser motorista, depois segurança, depois queria ser traficante! Então, foram sempre essas ‘imaginações’ que tive como sonho.

NI: E em que momento sonhou ser traficante? Nalgum momento de desespero?

MM: Não, não tinha nada a ver com desespero pessoal. Tinha a ver com a forma como eu via o mundo. E, na verdade, eu queria ser traficante ou ladrão mais para ter dinheiro para poder ajudar os pobres.

  
Foto: Mário Macilau

NI: Uma espécie de Robin dos Bosques ou, no caso, de “Robin da Cidade”…
MM: Sim. (risos) Exatamente!

NI: E a sua família naturalmente não o apoiou nessa ideia.

MM: Exato. Não apoiaram.

 NI: Sei que a sua família respeita o seu amor pela fotografia, mas também sei que não o compreende. Por que motivo?

MM: Neste caso estamos a falar de classes. Eu venho de uma família de classe baixa. Quando comecei a fotografar não sabia e não entendia nada sobre arte e nem sabia o que estava a fazer. Comecei a fotografar há 15 anos atrás. Tinha 15 anos quando descobri essa minha paixão pela fotografia. Comecei a fotografar apenas por paixão, porque sentia prazer, porque gostava, mas não sabia o que estava a fazer.


NI: Disse que vem de uma família pobre. E uma máquina fotográfica custa caro. Como foi conseguir a primeira máquina?

MM: Consegui a primeira máquina fotográfica porque era o mais velho na minha família. A minha mãe tinha um telemóvel, que estava sob a minha responsabilidade, e daí apareceu alguém com uma máquina fotográfica para vender. Mas eu não podia comprar essa máquina. Então fiz a proposta de trocar o telemóvel pela máquina fotográfica. A pessoa nem pensou duas vezes e fizemos o negócio.

NI: O que é que mais gosta de fotografar?

MM: A minha fotografia é documental. Trabalho mais com as pessoas e com as histórias ligadas ao dia-a-dia da nossa sociedade, com a forma como as pessoas vivem e como se relacionam. Trabalho também com questões ambientais, património cultural. É a área em que tenho trabalhado mais.


NI: Gosta de fotografar apenas pessoas e situações referentes a Moçambique ou tudo o que achar interessante que aconteça no exterior?

MM: A minha fotografia não tem fronteiras. Mas é claro que a fotografia documental depende do tempo e do assunto em causa.

NI: Como é fotografar, ou melhor, mostrar e registar as emoções das pessoas, sentir a emoção, o clima, o ambiente? Como é que consegue fazer isso?

Foto: Mário Macilau


MM: Não é algo assim tão complicado, mas as pessoas devem aprender a fotografar não simplesmente com a câmara. Tem de haver uma interligação de emoções. Quando se faz um trabalho com emoção, o trabalho também sai bem. Quando estou a fotografar, não é simplesmente uma forma de tirar algo das pessoas. Também tenho que dar a minha emoção para poder tirar a emoção das pessoas e colocar as duas emoções numa imagem. Faço a fotografia com todo o meu amor e carinho e daí consigo também ter a fotografia com esse tipo de sentimentos.

NI: A maior parte das suas fotografias é a preto e branco. Porquê?

MM: Para mim, a fotografia a preto e branco representa o nascimento da fotografia. E, para além disso, existe algo que para mim é muito importante: a fotografia a preto e branco é mais persistente em relação à fotografia a cores. É mais poética e persiste muito. Pode ver-se a mesma fotografia durante anos sem ficar cansado. E uma fotografia a cores é menos dramática. Tem uma força muito grande, mas apenas nos primeiros momentos.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/m%C3%A1rio-macilau-sin%C3%B3nimo-de-fotografia-em-mo%C3%A7ambique/a-17613993