sexta-feira, 23 de março de 2012

Angola tem uma CASA

A mais nova formação política de Angola anunciou, nesta terça-feira, o seu primeiro congresso. A CASA, Convergência Ampla para a Salvação de Angola, fundada recentemente por dissidentes da UNITA, o maior partido da oposição no país. A liderar a CASA está Abel Chivukuvuku, ex-membro sénior da UNITA. De lembrar que estas mudanças políticas acontecem a menos de cinco meses das eleições gerais. Em entrevista à DW África, conduzida por mim, o investigador angolano Nelson Pestana faz uma análise do novo cenário político em Angola:




Nádia Issufo: Irá esta fragmentação da oposição angolana beneficiar o partido no poder, MPLA?
Nelson Pestana:
Não creio que o MPLA possa beneficiar do facto de um grupo de pessoas ter saído da UNITA e com outras pessoas e outras formações políticas ter constituído a CASA. Acho que não tem necessariamente que beneficiar, na medida em que o eleitorado do MPLA não é necessariamente o eleitorado da CASA.Por outro lado, um provável enfraquecimento da UNITA não beneficia diretamente o M PLA. A CASA vai procurar um eleitorado que, sendo originariamente da UNITA, estava descontente e que, por este motivo, provavelmente iria votar numa outra formação política que seguramente não era o MPLA.

NI: Como fica a UNITA, agora desfalcada e com a formação da CASA? Afinal, foram membros seniores do partido que criaram a CASA.
NP: É verdade que são quadros muito importantes, mas que estavam numa situação de exílio interno na UNITA e, por isso, acho que o país ganha com a formação da CASA - na medida em que permite devolver à política ativa esses quadros que as pessoas reconhecem como importantes. Por isso, do meu ponto de vista, em termos de representatividade e de uma procura de qualidade do político, o país acaba por ganhar com a formação da CASA.
NI: Esta cisão da UNITA, quando as eleições estão quase à porta, tem um significado particular?
NP: Era já uma saída anunciada, porque no interior da UNITA fecharam todas as portas à possibilidade de coexistência desse conjunto de pessoas na UNITA perfeitamente inativas. A UNITA hoje é dominada pelo presidente [Isaías] Samakuva, que tem uma tendência cada vez mais concentradora do poder. Por isso, o Abel Chivukuvuku e o grupo de pessoas que o seguiu contavam já muito pouco no interior da UNITA.

NI: Face ao surgimento da CASA e à existência de muitos partidos em Angola, pode-se dizer que a oposição está fragmentada?
NP: Todas as oposições são fragmentadas. Nós temos a tendência de falar em oposição, mas a verdade é que na realidade são sempre oposições. Aqui, como há uma tradição de partido único, a tendência é transformar a oposição também numa oposição de partido único. Uma espécie de que o ideal para estes países era uma bipolarização. Não acho que o facto de haver vários partidos políticos seja sinónimo de fragilidade da oposição. Agora, é preciso perceber o que é oposição e o que são partidos políticos que apoiam a coligação presidencial, mas que se continuam a designar oposição só porque não fazem parte do partido único.
A fragmentação orgânica da oposição não impede a concentração em plataformas políticas comuns para se atingirem objetivos comuns. Não impede também que cada um carregue o seu peso político nas eleições e depois, no pós eleitoral, se venham a formar coligações governamentais. Isso acontece nos outros países, porque não há de acontecer em Angola?

terça-feira, 20 de março de 2012

MPLA: o Vicente da polémica

Em Angola, a nomeação do ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, para o cargo de ministro de Estado divide o MPLA, o partido no poder. Especula-se que  Manuel Vicente esteja a ser preparado para ocupar o cargo de vice-presidente do país, já com objetivos específicos. Recorde-se que Vicente não tem experiência política, embora acumule prestígio internacional como gestor. Entrevistei, para a DW, o analista da Chatam House, Markus Weimer,  sobre o assunto:

Markus Weimer: Na minha opinião, seria muito surpreendente se qualquer desafio que surgiu dentro do MPLA aparecesse fora do MPLA. Acho que é bem claro que havia várias opiniões acerca da sondagem do Manuel Vicente. Mas isso sempre foi dito dentro do partido. Fora do MPLA esses debates não acontecem. Para mim, seria uma grande surpresa se isso agora mudar. Não estou a ver qualquer divisão pública do MPLA.

Nádia Issufo: Provavelmente, existem dentro do partido pessoas com uma longa carreira política e que projetavam chegar a um lugar de destaque no governo. Até que ponto um provável descontentamento pode criar uma cisão mais forte, mesmo que isso não venha a público?

MW: Acho que já tinha oposição dentro do partido acerca do Manuel Vicente. Nós ouvimos que a publicação da lista dos deputados para as eleições deste ano já foi adiada três vezes. Isso já dá uma indicação de que nem tudo está bem dentro do partido, em termos de sequência. O Manuel Vicente deveria chegar à segunda posição nesta lista, mas é exatamente isso que gera oposição dentro do partido.
Em todos os partidos do mundo, há debate acerca da sequência da lista e da importância das pessoas. Especialmente se estamos num ano de eleições, que devem ser as últimas eleições do atual presidente, os interesses dos vários protagonistas dentro do partido ainda são maiores. Mas a situação em Angola também é uma em que o presidente e o seu círculo íntimo têm muito poder no sistema. Mesmo se há oposição à pessoa do Manuel Vicente, não vejo isso mudar alguma coisa.

Nádia Issufo: Alguns analistas políticos acreditam que a nomeação de Manuel Vicente para o cargo de ministro de Estado para a Coordenação Económica é uma espécie de rodagem política para legitimar sua futura nomeação ao cargo de vice-presidente de Angola. Visualiza uma situação similar à da Rússia, entre Vladimir Putin e Dmitri Medvedev, em que José Eduardo dos Santos possa vir a trocar de funções com Manuel Vicente?

MW: Sim, pode-se ver isso desta maneira. Mas a situação na Rússia é que o Vladimir Putin voltou ao cargo de presidente. Não sei se podemos imaginar algo similar em Angola. Não vejo o presidente Dos Santos voltar ao poder, se ele deixa o Manuel Vicente ser presidente.


Nádia Issufo: Nomear alguém de sua confiança no partido pode ser visto como uma garantia de que José Eduardo dos Santos continue a governar o país a partir dos bastidores, ou até evitar que seja julgado por alguma irregularidade após a sua saída do poder?

MW: Esse é o aspecto mais relevante sim. Como aconteceu na Zâmbia, onde o presidente Frederick Chiluba deixou o poder e depois foi julgado por vários assuntos, incluindo corrupção. O José Eduardo dos Santos, presidente de Angola, viu isso. Acredito que ele tenha medo desse cenário.
Então, para ele seria mesmo uma boa estratégia ter na presidência um sucessor em quem ele possa confiar e não os julgamentos por alegados crimes. O Manuel Vicente é uma pessoa dessas. É uma pessoa de confiança, muito próxima do presidente. Acho que o José Eduardo dos Santos pode confiar nele.

Ouiça também a entrevista em: http://www.dw.de/dw/0,,9585,00.html
selecionando a emissão da manhã do dia 20 de Março

quarta-feira, 7 de março de 2012

Isabel dos Santos pode se sair mal na queixa contra jornal italiano



"A honra e as mentiras de Isabel dos Santos" é o mais recente artigo publicado por Rafael Marques. Nele o~investigador e defensor dos direitos humanos angolano apresenta factos que comprovariam que a filha do presidente angolano para defender a sua honra lesou a honra do povo angolano, tal como apresenta argumentos falsos relativos a governação do seu pai. É que Isabel dos Santos processou em Julho de 2007 o Jornal italiano "La Stampa" e três dos seus jornalistas pela publicação de um artigo sobre a sua participação em negócios,  acusando-a de corrupção, favoritismo e outras coisas. Em breve a Procuradoria de Turim, na Itália, deverá decidir sobre o caso. Sobre o assunto Rafael Marques em entrevista a DW o seguinte:

Chega a ser imcomprensivel como a senhora Isabel dos Santos, cujos negócios em Angola são bem conhecidos, possa apresentar uma queixa a dizer que não administra absolutamente nada. E por outro lado queira se envolver em política fazendo afirmações como, por exemplo que o seu pai foi eleito em 1979, quando nessa altura viviamos sob um regime marxista-leninista que não permitia eleições e nem sequer a existência de outros partidos. É de conhecimento geral que o seu pai não ganhou as eleições presidenciais de 1992  contra Jonas Savimbi na primeira volta e nunca houve segunda volta. Ela faz uma série de declarações, e quando fala na honra dos angolanos, mentido, isso é grave e é preciso que seja denunciada e que a verdade seja reposta.

Nádia Issufo: E essas mentiras de Isabel dos Santos, como considera, envolvendo o nome do presidente angolano, em que medida põe em causa a sua credibilidade?

RM: Não põe em causa porque ele não tem credibilidade nenhuma em Angola. O que Isabel dos Santos faz, é o que o pai faz todos os dias. Se o presidente tem alguma credibilidade é de continuar a assinar os contratos petrolíferos, mantendo-se no poder como figura com quem o mundo precisa de negociar. Internamente não tem credibilidade, volta e meia fala na construção de um milhão de casas e depois nem conseguem dar duas mil casas aos mais desfavorecidos. E é necessário que os angolanos tomem cada vez mais consciência da necessidade de se afirmarem como cidadãos e terem uma intervenção pública muito mais activa para evitar esse tipo de situações em que aqueles que estão no poder se acham no direito de dizer o que bem entendem sem ser desmentidos por falta de órgãos que possam difundir mensagens contrárias ao poder.

NI: Ao usar argumentos falsos, como diz no seu artigo, pode se depreender que a senhora Isabel dos Santos não se sairá bem nesta sua queixa contra o jornal italiano?
RM: De certeza que não, porque não se pode apelar a justiça para defender a honra apresentando mentiras. É contraditório e contraproducente. E noutras situações ela até poderia ser acusada de perjúrio, de estar a enganar a justiça. Mas ela é filha do presidente isso certamente não vai acontecer.

terça-feira, 6 de março de 2012

Porque Nampula Afonso Dhlakama?



Depois que o MDM "tirou"a cidade da Beira das mãos da RENAMO não restava a este último partido outra saída senão procurar outro bastião, e a cidade escolhida foi Nampula. Mas porque então Afonso Dhlakama não escolheu Chimoio, por exemplo, onde provavelmente tem mais apoios do que Nampula? Ou até Quelimane, antes de também ser tomada pelo MDM? Afinal não é a região centro de Moçambique dominada pela RENAMO?

Nampula é a capital do norte, economicamente é uma das mais dinámicas do país. A médio e longo prazo a província com o mesmo nome, economicamente, poderá ser ela "sozinha"  Moçambique. Ela dispõe de enormes recursos naturais que estão a ser alvo de grandes investimentos. Tem um importante porto de águas profundas, e prevê-se a construção de um porto petrolífero. O chamado Corredor do Norte vai ser alvo de investimento para facilitar as exportações, principalmente do carvão mineral da província de Tete. Na região Norte de Moçambique foram descobertas enormes quantidades de gás natural, do petróleo nada se fala, mas que há fumo, há... Isso sem falar da construção de um aeroporto internacional e do incremento do parque industrial.

Entretanto, boa parte dos investimentos para fazer esse sonho se tornar realidade vem de fora. Quem quererá investir ou viver numa província com "outro" governo, ou com um governo paralelo? Porque ao que tudo indica Afonso Dhlakama está empenhado em mostrar que manda lá, com a presença de homens armados pela cidade e constantes ameaças de manifestações, obviamente indesejadas pelo governo da Frelimo. A última experiência marcou bem o partido do batuque e da maçaroca. Será por isso que o presidente Armando Guebuza se dignou a ir ao encontro do líder da RENAMO na capital do norte no ano passado? Os  moçambicanos sabem muito bem, que Guebuza quase nunca abandona a sua cadeira para se dirigir aos outros, a menos que isso faça parte da sua agenda de trabalho, como por exemplo nas presidências abertas... E não nos esqueçamos que os negócios de grande envergadura quase sempre tem participação de gente ligada ao governo da Frelimo... Haja empenho!