terça-feira, 30 de abril de 2013

O que vale no caso Vale

Na última sexta-feira (27.04.) eram aguardados em Moçambique os resultados das negociações entre a empresa Vale e os desalojados de Cateme, no âmbito da exploração de carvão mineral. Se por um lado havia sinais de um bom desfecho, de acordo com um comunicado distribuído pela mineradora brasileira, por outro no terreno os sinais eram de intimidação contra os desalojados, segundo a ADECRU. Entrevistei para a DW um dos seus colaboradores, Jeremias Vunjanhe, sobre o assunto:


Nádia Issufo: Como vão as negociações entre os reassentados de Cateme e a Vale? 

Jeremias Vunjanhe: Nós seguimos o caso com muita preocupação e indignação, sobretudo pela forma como o processo, ou negociação, tem sido realizado. Pelas informações que temos, o tal processo foi antecedido de uma conferência de imprensa da direcção da Vale no Brasil que indicava que esta empresa não pretendia negociar e nem cederia em nada porque não devia nada s pessoas. Logo a partida ficou claro que as Vale não tinha intenção de estabelecer nenhum diálogo. Porém, um dia depois a Vale voltas atrás e anuncia que pretende negociar, mas em vez de ouvir as propostas dos reassentados a Vale limitou-se a culpar as famílias, e mostrar os prejuízos pela paralisação e com ainda uma grande pressão psicológica por ter trazido um dos seus chefes de segurança e de inteligência empresarial, mas também esteve presente um comandante da polícia. E na nossa opinião isso deve ser denunciado porque desvirtua o sentido d euma verdadeira negociação.

NI: Esta-se perante uma intimidação?

JV: Exactamente. É isso que está a acontecer. O tal processo de negociação não passa de um processo de identificação de pessoas que supostamente estariam a frente das reivindicações. Isso para de futuro os perseguirem. Há uma intimidação protagonizada pela Vale, por um lado, e por outro uma intimidação feita ao nível do Governo provincial ao enviar polícias para um espaço de negociações. E com isso as famílias se sentem intimidadas e desencorajadas a avançar com as propostas de soluções. Inclusive agora que vos falo recebi uma informação a dizer que num dos bairros onde vivem os descontentes há presença massiva da polícia que força as pessoas a aceitarem o processo de reparação das casas, que entretanto as famílias não querem, pelo menos nos moldes propostos pela Vale e Governo moçambicano.

NI: Como disse, a Vale voltou atrás e prometeu criar projectos de auto-sustento para os reassentados que perderam as suas fontes de renda. Como vê a decisão?

JV: Com muito cepticismos e mais uma vez não acredito que a Vale tenha recuado.Acredito sim que a Vale está a usar este pronunciamento como uma estratégia de recuperação da sua imagem a nível internacional. Também considero que este pronunciamento não passa de uma estratégia de fuga para frente e para trás visando ter um controle massivo do Governo de Moçambique. E é por isso que dois dias depois deste anúncio o governador de Tete ontem (26.04.) teve uma reunião de emergência com as famílias. Segundo os que lá estiveram o governador ameaçou-os, disse que a Vale não tinha nada a pagar e que as pessoas deviam aceitar forçosamente o processo de reparação que neste momento está a acontecer.


Paulo Borges Coelho: da história a estória

Alemanha na literatura moçambicana é algo recente. Até agora Paulo Borges Coelho foi único escritor moçambicano a falar sobre a presença alemã em Moçambique nas suas obras. Motivos para isso não lhe faltam, afinal ele também é historiador. Mas é como escritor que Paulo Borges Coelho ganha cada vez mais visibilidade nos últimos tempos. O seu livro "O Olho de Herzog" valeu-lhe o Prémio Leya em 2009, e em Moçambique foi honrado com Prémio José Craveirinha, o mais importante do país, com a obra "As duas Sombras do Rio".  E é sobre as estórias que escreve que a DW decidiu ouvi-lo hoje, numa entrevista conduzida por mim:

Nádia Issufo: É primeiramente conhecido como historiador, e mais tarde como escritor. Qual é a distância entre o mundo académico e a escrita literária?

Paulo Borges Coelho (PBC): A diferença é por um lado enorme, e por outro lado não é nenhuma. Enorme no sentido de que são duas formas de expressão totalmente distintas, enquanto que o paradigma do académico é a verdade, o historiador procura a verdade, e tudo o que ela tem de relativo, a escrita literária re-inventa o mundo, não está interessada no paradigma da verdade. Mas apesar desta enorme diferença estão próximas no sentido em que a  minha visão do mundo é sempre influenciada pela visão do historiador, isso é transporto para a literatura.

NI: E de onde vem o gosto pela escrita?

PBC: Não sei dizer, sempre existiu, sempre foi uma forma de processar o real, através da leitura e da escrita. O que foi mais recente foi a publicação.

NI: O que o encorajou a publicar?

PBC: Talvez o facto de ter concluído que tinha alguma coisa a dizer. O meu primeiro livro, alias, nasceu de uma certa promiscuidade entre a investigação académica de um região e depois a escrita literária, ou seja, fui tomando notas e essas notas a partir de certa altura tomaram freio nos dentes encadearam-se caminharam para um romance, quando a princípio eram notas de trabalho.

NI:Que eu saiba é o único escritor moçambicano que retrata nas suas obras a presença colonial alemã em Moçambique. Há uma razão especial para isso?

PBC: Não. Eu sou originário, por parte da minha mãe, do norte de Moçambique. A minha mãe e a mãe dela são da pequena Ilha do Ibo e tenho na minha família sangue alemão, no sentido em que um bisavô era um embarcadiço alemão. Por isso sempre me interessou aquela região, não só pelo facto de ser alemão. Já há muitos anos, através da documentação, tive contacto com a história das campanhas militares do general von Lettow-Vorbeck no norte. Depois esse interesse reforçou-se, e até publiquei uma banda desenhada sobre essas operações, e a sentença reforçou-se não só pela literatura colonial portuguesa, mas também, mais tarde, com a leitura do próprio diário do general Lettow. De tal forma  que achei que era interessante explorar literariamente.

NI: As suas obras são muito diferenciadas em termos de estilo, se olharmos para "O Olho de Herzog" e "As Visitas do Dr, Valdez" passando pela "Cidade dos Espelhos" constatamos que são completamente diferentes umas das outras. Pode-nos falar sobre esse seu lado multifacetado?

PBC: Eu na literatura não estou a procura de impor um ponto de vista, estou a procura de explorar um caminho que para mim é de alguma maneira fascinante e tentador, e portanto uma prática que me preenche bastante. Então nesse sentido eu sou escritor relativamente tardio. Portanto, o que me interessa é explorar diversos caminhos seguindo apelos que nem para mim são completamente. Então se houver uma coerência, vamos descobrir todos, não só os leitores, mas eu próprio que não tenha a partida não tenha nenhuma chave secreta. Nesse sentido para mim cada livro é uma experiência nova, quer do ponto de vista do que tenho para explorar, quer até do ponto de vista técnico e interessa-me explorar o máximo possível uma grande diversidade de caminhos.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Primeiro fim da militarizacao, depois diálogo entre RENAMO e Governo mocambicano

Em Moçambique a negociação entre a RENAMO, o maior partido da oposição, e o Governo da FRELIMO foi adiada para dia 29 de Abril, enquanto o país aguarda por um desfecho pacífico. Recorde-se que um confronto entre as duas partes teve lugar em Muxungué, no centro do país no início deste mês, resultando em 4 mortos e mais de 10 feridos. Entrevistei para a DW  Fernando Lima, jornalista e director do semanário moçambicano Savana, que considera o adiamento como estratégico. Para ele as partes estão a por termo primeiro as posições belicistas, para depois sentarem-se a mesa de negociações.  


Nádia Issufo: A imprensa local tem noticiado que o Governo moçambicano está a adquirir material bélico. A ser verdade, isso acontece por causa da tensão política que se vive no país ou estas são meras aquisições de rotina?

Fernando Lima (FL): Eu não tenho nenhuma informação sobre essas aquisições de material, especificamente para esta questão da confrontação com a RENAMO. Tenho conhecimento, sim, que há programas regulares de reequipamento das Forças Armadas e também da polícia. Isso acontece com alguma regularidade. Mas uma notícia desta natureza pode dar a entender que a polícia e o exército moçambicano estão muito bem equipados. Esta ideia não é verdadeira. É opinião corrente dos especialistas que o exército, sobretudo, mas também as forças policiais, continuam a estar deficientemente equipados para responder quer às missões de defesa da soberania, quer a missões de lei e ordem, como é o caso da polícia.

NI: E qual é a situação da RENAMO? Tem efectivos e de equipamento militar suficientes para enfrentar o exército governamental no caso de um eventual confronto?

FL: Não são conhecidos os efectivos da RENAMO e nem o seu grau de armamento. Tecnicamente, como é do conhecimento público, a RENAMO não deveria ter armas, tal como é de conhecimento que sempre teve armas.Ao longo desses anos o Governo em colaboração com o exército e a polícia sul-africanos têm desmantelado dezenas e dezenas de paióis em todo o país e que esses paióis pertenciam a RENAMO. mas nestas circunstâncias é de se prever que não tenha uma força muito bem apetrechada.

DW África: Circulam informações segundo as quais altas patentes militares do Governo se dirigem à zona centro, para além de militares. E também há informações de que se intensificam os treinos do outro lado da baía de Maputo, na Catembe. Paralelamente, há tentativas de negociações entre a RENAMO e o Governo. Como vê este paralelismo?


FL: Não estou de acordo com este cenário. Se é verdade que há treinos militares, esses treinos militares acontecem todos os dias, todas as semanas. É normal haver treinos no exército e na polícia. Também é verdade que tem havido movimentações de patentes militares e da polícia na zona centro do país. É normal que isto aconteça porque há uma situação de tensão, portanto as forças do Estado movimentam-se também nesta área. Agora, é claro que este tipo de movimentações, quer de generais, quer de posicionamento de forças no terreno, também contribuem para o aumento da tensão.

NI: Enquanto isso, a negociação foi adiada para o dia 29 de Abril. Face a este adiamento, pode-se dizer que há realmente interesse em resolver este caso que deixa muitos moçambicanos preocupados?

FL: Eu acho que, de parte a parte, ninguém quer perder a face. E, portanto, por exemplo, a desmilitarização do centro do país não pode acontecer para já, por via dos comunicados públicos. Portanto, quer-me parecer que isto vai acontecer. As partes vão verificar esta situação e pretende-se que se chegue à mesa das conversações com um melhor ambiente, sobretudo do ponto de vista táctico-militar. Uma das exigências da RENAMO é, sobretudo, que seja, de algum modo, eliminada a presença da Força de Intervenção Rápida da polícia na zona centro do país. Quer-me parecer a mim que não vai haver nenhum comunicado oficial do lado do Governo a dizer que isto está a acontecer a pedido da RENAMO. Por outro lado, houve claramente uma concessão, creio que no sentido correto, de afastar os encontros de um restaurante, porque claramente a FRELIMO e o Governo querem minimizar o tipo de contactos que mantêm com a RENAMO. Mas, por outro lado, a RENAMO também tinha pedido para que o ministro da Agricultura, José Pacheco, fosse afastado das conversações e ele mantém-se como chefe da delegação governamental.
Este adiamento aparente visa exatamente encaixar estas cedências de parte a parte num melhor ambiente para que tenham lugar novas conversações entre a RENAMO e o Governo.

NI: A actuação da RENAMO em resposta a actuação da polícia em Muxungué terá dado vigor ou contribuído para que este partido recuperasse alguma credibilidade, ou terá desencadeado o efeito contrário? Isso se considerarmos as reivindicações do cumprimento dos Acordos de paz de 1992...

FL: Há uma situação de escalada de tensão e respondeu da forma que melhor está preparada para responder, ou seja, não responder politicamente, mas pela via da violência. Surpreendentemente em termos da opinião pública moçambicana a resposta da RENAMO não teve como resultado uma condenação explícita e direccionada a RENAMO. A condenação foi contra a violência provocada pelos ambos os lados do conflito e uma pressão muito grande para que as partes parem a violência e que encontrem soluções e que as duas partes não voltem a guerra. Portanto, do meu ponto de vista a RENAMO não foi explicitamente condenada pelo facto de ter respondido a violência por parte da policia moçambicana.  

Escute a entrevista em:  http://www.dw.de/moçambique-está-sob-tensão-à-espera-de-diálogo-político/a-16765760

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Reinata Sadimba: mulher de mão cheia e com as calças no lugar



Reinata Sadimba é a ceramista mais prestigiada de Moçambique. As suas vivências, a sua cultura e o seu dom misturam-se nos seus trabalhos, resultando em obras singulares que atraem a atenção de qualquer um. Reinata Sadimba é uma mulher muito particular. Brilha numa profissão dominada por homens, assume também a função de homem nas lides domésticas e até em momentos de lazer. O seu forte carácter é facilmente perceptível na objetividade dos seus discursos, na tomada de pequenas decisões e principalmente nas suas obras. Entrevistei para a DW África a artista de mão cheia:



Nádia Issufo: Onde aprendeu a fazer cerâmica e escultura?
 RS: Aprendi com a minha mãe quando tinha sete anos. Roubava barro, esculpia e ia queimar os objectos sozinha. Quando mostrava a minha mãe ela ficava admirada e me perguntava como tinha conseguido fazer tudo aquilo sozinha.

NI: Como o seu trabalho evoluiu desde esse tempo até hoje?
RS: Eu fazia potes muito grandes, e até chorava porque não conseguia carrega-los.


NI: Já reparei que a Reinata gosta de se vestir como um homem nalguns momentos. Isso tem alguma relação com a sua separação?

RS: É só uma brincadeira, gosto de brincar. Mas também gosto de cultivar, cortar lenha no mato. Também construi a minha casa sem a ajuda de nenhum homem, é a minha maneira de ser.

NI: Tem ainda algum sonho na sua arte?
RS: Quando sonhava de manhã concretizava os meus sonhos no barro. Mas agora já não sonho, as ideias surgem e eu concretiza-as. Mas ainda não tenhosonho do que vai fazer com a minha arte. 

NI: O que temas gosta mais de representar?
RS: gosto mais de representar a mulher, não gosto de representar homens porque eles não gostam de mim porque sou velha. As mulheres preocupam-se comigo, dão-me carinho.

NI: Onde a Reinata trabalha?
RS: Trabalho mais no Museu da História natural, depois vou queimar o barro e vendo ai mesmo as obras. Também exponho nos diversos centros e galerias do país. 

NI: Porque representa a cobra com frequência?
RS: A cobra Makonde é um personagem de uma lenda, um homem Makonde casou-se com duas mulheres. Mas ele gostava mais de uma do que da outra  então a menos amada procurou o curandeiro que lhe mandou colocar um remédio na água do banho, e depois do banho ele passaria a gostar mais dela. Mas depois do banho metade do corpo do homem transformou-se numa cobra. Esta é uma história verdadeira. As pessoas gostam muito dessas representações baseadas em historias. 



NI: Para além de ser ceramista é também escultura. De que gosta mais?
RS:  Gosto mais de barro. Aprendi a trabalhar a madeira sozinha, mas as pessoas gostam mais do barro, por isso deixei a escultura.

NI: Que artista moçambicano aprecia?
RS: Malangatana, para além que de éramos amigos.

NI: Qual é o momento em que gosta mais de trabalhar?
RS: A qualquer hora, mas ao meio da noite quando me vem uma ideia levanto-me para trabalhar e faço 3, 4 ou mais obras.

NI: Vende bem as suas obras?
RS: Sim, mas nos últimos tempos ando um pouco parada.

NI: Quem compra mais, moçambicanos ou estrangeiros?
RS: Estrangeiros compram mais. Os nacionais antigamente compravam mais, mas agora não.

NI: A Reinata viveu na Tanzânia. Como foi esse período em termos artísticos?
RS: Fui viver na Tanzânia porque a minha irmã vivia lá. Eu fazia os meus trabalhos quando conheci um senhor suíço chamado Max e trabalhei com ele.

NI: Sei que a Reinata está ligada aos ritos de iniciação lá onde vive. Pode nos falar mais sobre isso?
RS: Não posso contar o segredo...( risos)

NI: As pessoas em Cabo Delgado não se interessam pela tradição?
RS: Interessam-se sim, os seus filhos quando nascem fazem os ritos de iniciação. Em 2007 uma brasileira fez os ritos de iniciação comigo.  E voltou bonita, mas ela não pode contar nada sobre a  cerimónia.




Escute sobre Reinata Sadimba em:  http://www.dw.de/as-m%C3%A3os-seletivas-de-reinata-sadimba/a-16130663

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Guerra civil está de volta a Moçambique?

E a propósito dos últimos acontecimentos no centro de Moçambique, entrevistei para a DW o representante da Fundação alemã Konrad Adenauer em Maputo, Sultan Mussa, para perceber que direção poderá tomar o maior partido da oposição do país. 




Nádia Issufo: Na sua opinião, porque estão a acontecer estes confrontos na região centro de Moçambique?


Sultan Mussa (SM): Isso tem a ver com muitas reivindicações da RENAMO. Aliás, já sabemos que é desde o ano passado que havia reuniões entre a RENAMO e o governo sobre as reivindicações, a despartidarização da Comissão Nacional Eleitoral e a separação de poderes. Estas reuniões não tiveram um resultado satisfatório para a RENAMO. Então, a RENAMO já vem a dizer isto há tempos, a dizer que vem realizar manifestações. Estas manifestações nunca se realizaram porque, de uma parte, o governo também ameaça quando a RENAMO pretende fazer estas manifestações. Também existe uma ameaça do Governo a dizer "olhe, é proibido". Na prática, portanto, a RENAMO nunca realizou estas manifestações.

NI: Então esta ação é uma resposta da RENAMO à falta de resposta por parte do governo moçambicano?

SM: Exatamente. E também, neste momento, tem a ver com as eleições. Quer dizer, a lei eleitoral tem uma questão muito importante para o partido RENAMO, que é a composição da CNE. Então a RENAMO exige que haja a paridade, que o número dos membros da sociedade civil, dos partidos políticos, que seja igual. A RENAMO pretende que a composição seja só dos membros dos partidos políticos.
Então, como isso não aconteceu, os membros da RENAMO reclamaram, pretendem boicotar as eleições com manifestações etc. E isso também fez pressão ao governo, e o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, posicionou-se na serra da Gorongosa, centro do país, e isso também é um aspecto de que o governo tem medo.


NI: Face a esses confrontos e a tensão que se vive na região centro do país, podemos falar do reinício de uma guerra civil em Moçambique?

SM: É possível, sim, porque acho que o governo não tomou muita atenção no diálogo com a RENAMO. Porquê? O governo tem o seu direito, nós sabemos que a Constituição da República existe, que todo o diálogo, tudo o que foi apontado no Acordo Geral de Paz deve ser dialogado e discutido na Assembleia da República.
Até aí, tudo bem. Mas, a RENAMO, lá na Assembleia da República, esse partido não tem esse poder de decisão ou como influenciar a decisão na Assembleia da República. Então isso fez com que a RENAMO fosse às negociações. E essas negociações não foram, por assim dizer, "atendidas". A RENAMO acha que praticamente já fez tudo e eles vão se manifestar e vão boicotar as eleições. Então isso vai ser uma fase difícil para Moçambique porque poderá haver instabilidade na sociedade civil e tudo o mais. É o que estamos a ver.
Temos o recensamento a partir do mês de maio. Nessa altura, se calhar pode aparecer um desequilíbrio, onde haja tiros, como já está a acontecer no centro do país. Acho que esse diálogo deveria ser explorado, muito mais do que foi feito até agora.


NI: O fato de a população ter traumas da guerra civil e não querer, portanto, o retorno à guerra: a RENAMO conseguirá manter uma boa imagem de pacifismo junto da população depois dos confrontos da madrugada desta quinta-feira (04.04)?

SM:Não. Eu acho que a RENAMO não tem nada a perder. A RENAMO não está preparada para as eleições, para a campanha, não está preparada para isso. Então ela praticamente só sabe reivindicar os seus direitos desde há muito tempo.

NI: Que futuro visualiza para a RENAMO como partido?

SM: É uma situação difícil. Apesar de a RENAMO ter grandes massas, também o líder [Dhlakama] ter muito sustento nas massas e as eleições decorrerem neste ano, a RENAMO também poderá perder mais assentos na Assembleia da República.
Em contrapartida, existe uma grande insatisfação também da população por causa da situação sociopolítica atual. Neste momento, Moçambique descobre vários recursos naturais, temos os "megaprojetos" e isso agora vai criar um crescimento e há uma grande massa dos moçambicanos que vão ficar mais pobres. Vamos criar uma elite muito forte, com grandes poderes.

 
NI: É possível renovar a liderança da RENAMO?

SM: Acho que sim. Há necessidade de um diálogo interno. O líder mantém-se lá e quer manter a eternidade porque diz que é o líder da estabilidade. Internamente, isso é um pouco difícil. Mas há os outros partidos que já estão a crescer, como o MDM (Movimento Democrático de Moçambique), que são um exemplo.

Escute a entrevista em: http://www.dw.de/reinício-de-guerra-civil-é-possível-em-moçambique-diz-analista/a-16722244

quinta-feira, 4 de abril de 2013

RENAMO ataca polícia em Muxungué


Homens da RENAMO atacaram o quartel da polícia na última madrugada em Muxungué, região centro de Moçambique. Quatro pessoas morreram e outras 13 estão feridas. E a tensão continua na região. Entrevistei para a DW África o diretor e jornalista do Canal de Moçambique, Fernando Veloso, que esteve em Muxungué, palco dos confrontos desta quinta-feira, e ele relatou o que viu.




Fernando Veloso: Esta madrugada quando eram 20 para as 4 o quartel da polícia foi atacado durante cerca de 45 minutos. Houve forte tiroteio, inclusive quatro fortes disparos de armas pesadas. Esta manhã no hospital, cerca das 7 horas, confirmamos que havia quatro mortos e 13 feridos. 

Nádia Issufo: Isso confirmado pelas autoridades sanitárias?
FV: As autoridades sanitárias estavam proibidas de falar, mas várias fontes do hospital rural do Muchungué nos confirmaram esses números. Nós inclusivamente entramos no hospital um pouco de rompante, contrariando a ordem, e logo a partida vimos nove feridos. O administrador de Chibabava , Arnaldo Major, acabou por nos confirmar que havia quatro mortos, mas nós temos a certeza que são quatro óbitos e treze feridos, todos polícias, mais uma senhora civil atingida por uma bala perdida.

NI: Mas confirma-se que os confrontos foram entre os homens da RENAMO e a polícia moçambicana?
FV: De manhã suspeitava-se que eram confrontos entre unidades diferentes da polícia, porque era isso que a populaçãoo andava a suspeitar, mas fomos investigar melhor e comprovamos que a RENAMO atacou a Força de Intervenção Rápida (FIR).

NI: Então esta foi uma resposta da RENAMO ao ataque desta quarta-feira?
FV: Só pode. E o objetivo como conseguimos confirmar dentro do quartel a poucas horas o objetivo era libertar os membros da RENAMO que estão lá detidos. Nesse ataque fotografamos o brigadeiro Rasta Mazembe morto, o comandante da RENAMO que atacou morreu no terreno a cerca de 30 metros da entrada do quartel/cadeia. Vimos rastos de um corpo que terá sido levado pelos homens da RENAMO,  e de onde se pode preconizar que para além do morto confirmado da RENAMO ainda tenha havido um homem que não sabemos se morreu ou se está vivo.

NI: A população continua no local ou fugiu?
FV: Ontem quando eu cheguei ao local as 6 horas da tarde Muchungué, contra o que é habitual, estava vazia, todo o comércio estava fechado. A polícia andava nas poucas barracas abertas a beber cerveja com armas de reposição, kalaschnikov, AK 47, e portadora de gás lacrimogeneo e mesmo assim andavam em bares a beber cerveja. A população fugiu para o mato, para o Chimoio, para Beira, para onde pode. E os que não fugiram ontem estão a fugir hoje a pé com trochas a cebça. E hoje quando anoitecer deve haver pouca gente em Muchungué. 

NI: e Há movimentação na estrada nacional número um?
FV: Eu fiz agora a percurso Muchungué-Inchope é há pouquíssimo pouco movimento, praticamente nenhum.

Oica a entrevista em: http://www.dw.de/centro-de-moçambique-é-palco-de-confrontos-entre-polícia-e-renamo/a-16721237

Moçambique: as fraquezas da Lei de petróleo


Em Moçambique o Centro de Integridade Pública, CIP, diz que a Lei de petróleo, ainda em revisão, responde aos interesses das empresas petrolíferas, mas não satisfaz as demandas da sociedade civil. No seu serviço der partilha de informação pública do mês de Março questiona alguns aspectos relativos, por exemplo, a transparência, conflitos de interesses, e  consulta pública. Numa entrevista a DW, conduzida por mim, William Telfer, jurista especializado em hidrocarbonetos, fala sobre a lei.



Nádia Issufo: A quem satisfaz realmente a lei em revisão?


William Telfer: As empresas de petróleo procuram sempre ter uma lei de petróleo que lhes favoreça. Os lobbies dessas empresas a nível mundial são muito fortes. Então é difícil as petrolíferas não terem influência nas leis. Segundo, há uma caracteristica de países emergentes na área de petróleo , como Moçambique, por exemplo, Angola acaba de sair desta fase, é que há ausência do regulador porque o poder político mantém nas suas mãos o controle sobre a indústria de petróleo, e isso faz com que não exista uma regulador, porque o Governo nunca pode ser um regulador. O Governo faz leis e normas, mas não é por excelência um órgão técnico que possa regular uma indústria tão complexa como a indústria de petróleo e gás.

NI: E Moçambique está em condições de não aceitar as pressões das empresas petrolíferas?

WT: Claro que sim. É só ver agora qual é o movimento da CTA. Na sua conferência anual do sector privado, há um mês, teceu duras críticas pela ausência de empresas moçambicanas na indústria de petróleo. Isto já é uma pressão ao Governo, e participando os moçambicanos os internacionais têm menos voz activa. Isto significa que  Moçambique está em condições de impor regras que possam favorecer não só ao Governo, mas a todas empresas privadas que actuem nesta área no país.


NI: O CIP questiona no seu serviço de partilha de informação aspectos como concorrência nas concessões, transparência, propriedade das empresas, conflitos de interesses. Como ficam os interesses nacionais? Estão salvaguardados?


WT: Olha, até agora, a versão comentada pelo CIP, de Julho de 2012, não salvaguarda os interesses das comunidades locais. E gostaria que a lei de petróleo estipulasse certos critério sobre como as comunidades devem ser compensadas e indemnizadas caso a indústria de petróleo queira se instalar na sua zona.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Há espaço para Taiwan e China em simultâneo em STP?

A presença simultânea de interesses chineses e taiwaneses em São Tomé e Príncipe levanta algumas questões sobre as relações de São Tomé e Príncipe com os dois países asiáticos     que não mantém boas relações entre si. Entretanto, o analista Gerhard Seibert, analista do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, diz que não há motivos para alarme a curto prazo, mas deixa tudo em aberto. Eu entrevistei para a Deutsche Welle o analista.



Nádia Issufo: A presença indirecta da China nos negócios são-tomenses pode causar algum tipo de danos na relação de São Tomé com Taiwan, país até aqui um dos principais financiadores do país?

 Gerhard Seibert: Não acredito, por duas razões. Primeiro, este envolvimento de empresas chinesas, neste momento, é muito reduzido, porque falamos concretamente da zona conjunta de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe e Nigéria, onde estava a empresa petrolífera chinesa Sinopec e a sua subsidiária Addax. Mas, no ano passado, depois da divulgação de resultados inconclusivos sobre a presença de petróleo comercialmente viável nos blocos 2, 3 e 4, estas duas empresas retiraram-se da zona conjunta. Neste momento, só a Addax está no bloco 1 da zona. A presença é bastante reduzida, não só em São Tomé, trata-se de uma zona internacional, uma zona bi-nacional. A segunda razão é que, até agora, não há nenhum sinal da parte de Taiwan de estar preocupado com este envolvimento de uma empresa chinesa na zona conjunta com a Nigéria

Nádia Issufo: E há sinais de uma substituição de Taiwan pela China nas relações comerciais com São Tomé e Príncipe?

GS: A longo prazo nunca se sabe, porque pode haver desenvolvimentos também, por exemplo, entre a China Popular e Taiwan, que podem levar a que isso aconteça. Mas, neste momento, eu não acredito. Há sempre especulação, aliás, desde que São Tomé estabeleceu relações diplomáticas com Taiwan, em 1997. E, consequência disso, a China Popular cortou as relações com São Tomé e Príncipe. Houve sempre especulação sobre se São Tomé voltaria a estabelecer as relações com a China, ou seja, cortar com Taiwan. Mas isso nunca aconteceu e eu não acredito que vá acontecer a curto prazo. Desde que Taiwan apareceu em São Tomé que foi sempre um dos principais financiadores de projetos e do orçamento do estado e também existem alguns projetos com bons resultados da parte de Taiwan em São Tomé e Príncipe, sobretudo o projeto de combate à Malária.

 
NI: O fato de países próximos de São Tomé e Príncipe, como Angola e a Nigéria, por exemplo, terem relações preferenciais com a China, pode conduzir São Tomé e Príncipe a uma aproximação a Pequim?

GS: Essa é uma boa pergunta. Eu diria que nunca se sabe. Isso pode ser um argumento: se existem, por exemplo, certas pressões dos estados membros dos PALOP e da CPLP, para, de um momento para o outro, mudar esta política. De fato, neste conjunto de países, São Tomé é o único que mantém relações de cooperação e diplomáticas com Taiwan. Mas eu diria que, a curto prazo, não vai haver alterações.

NI: Entretanto STP tem uma dívida antiga para com a China de 17 milhões de dólares. Poderá ser esse um elemento de pressão para a retomada de relações?

GS:  Não, essa dívida existe desde o período pós-colonial e bastante reduzida, sobretudo na perspectiva da própria China, portanto é um monatnte ridiculo. Mesmo para STP, no contexto da dívida externa, não é tanto dinheiro e que eu saiba esse montante nunca criou problemas. 

 NI: Há quase dois anos que Manuel Pinto da Costa não se encontra com o governo de Taiwan coisa que o seu antecessor, Fradique de Menezes, fazia com frequência. Pode-se dizer que as relações com a China ou Taiwan oscilam consoante o partido no poder em São Tomé e Príncipe?

GS: Não, pelo contrário. Houve especulação quando o MSTP chegou ao poder, em 2008, depois da primeira moção de censura, na altura em que Rafael Branco se tornou primeiro-ministro. Ele é de um partido independente de São Tomé que desde sempre manteve e mantém relações políticas com o partido comunista chinês. Mas, mesmo assim, quando Rafael Branco se tornou primeiro-ministro afirmou logo que o seu governo não era o partido. Portanto, esta diferença é real.

Escute também a entrevista em: http://www.dw.de/apoio-de-taiwan-a-são-tomé-não-prejudica-relações-com-a-china-diz-especialista/a-16717084