segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O balão de ensaio da Frelimo

Depois de dois anos de muito segredo, a Frelimo apresentou na última quinta-feira a sua proposta de revisão da Constituição. O partido no poder em Moçambique, surpreendentemente, não apresentou nada de significativo, contrariado as expectativas negativas da oposição e os moçambicanos, mas sim, apenas, propostas de mudanças de forma, como por exemplo as designações dos órgãos de justiça. No país se especulava que o partido no poder iria propor o aumento de mandatos presidenciais. A ser verdade, o que terá feito a Frelimo mudar de ideias? O constitucionalista e professor catedrático na faculdade de direito da Universidade Eduardo Mondlane, Gilles Cistac, numa entrevista a Deutsche Welle conduzida por mim, responde:

Gilles Cistac: O único motivo da revisão era o terceiro mandato consecutivo do presidente da República, houve um debate no país feito pela sociedade civil, a opinião pública e pelo partido no poder, sobre a possibilidade de se atribuir um terceiro mandato, actualmente a Constituição do país limita dois mandatos consecutivos. Agora esta proposta que foi um balão de ensaio não colhia muito apoio por isso o partido no poder recuou na sua proposta, e também por isso o que temos na mesa é uma proposta de circunstância para não recuar neste projecto de revisão constitucional, ela é apenas uma revisão formal.

Nádia Issufo:  Especulou-se muita coisa em Moçambique, entre elas a possibilidade de a Frelimo propor uma eleição presidencial por sufrágio indirecto, ou o aumento de mandatos como disse. É possível estabelecer um paralelo entre um possível recuo da Frelimo na sua resposta e a dependência económica do país em relação ao ocidente que exige mais democracia?
GC: A razão da resposta do governo era também a tendência de alguns países doadores de pressionarem o governo a chegar a uma revisão do sistema do governo para ter um sistema mais equilibrado do poder, para uma maior descentralização do poder do presidente com vista a um sistema semi-presidencial ou parlamentar. Existem vários parametros a serem tomados em conta, vamos entrar em campanha eleitoral com vista as autárquicas intercalares e depois entramos para campanha com vista as eleições gerais, será que este é o momento oportuno para debater uma reforma profunda do sistema do governo? Isso é muito prematuro dizer.

NI: A oposição e constitucionalistas moçambicanos defendem a separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) e a despartidarização do Estado, facto que não consta da proposta de revisão da Frelimo. Qual a sua opinião sobre esta situação?
 GC: Claro que a proposta da Frelimo não mexe com isso, apesar da Constituição consagrar a separação de poderes. Estamos numa situação em que todos os poderes do Estado são controlados pelo partido no poder.

NI: Até que ponto a interdependência entre estes três poderes põe em causa a democracia e a transparência em Moçambique?
GC: O poder executivo intervem no poder legislativo por lei, o presidente da República também, o presidente pode dissolver o Parlamento, mas este último não pode dissolver o poder executivo, e isto afecta o funcionamento das outras instituições, cria uma dependência em relação ao poder executivo e principalmente do presidente da República que concentra os poderes de nomeação dentro das suas competências.

NI: Sei que defende a adopção de um sistema semi-presidencialista. Porque?
GC: Porque é o sistema mais ponderado dos poderes, isso significa a responsabilidade directa do governo perante a Assembléia da República, e esta podia adoptar uma monção de censura contra o governo, mas também acho que é preciso introduzir algumas figuras de democracia participativa,  por exemplo tendo uma participação do povo na iniciativa legislativa.

Nádia Issufo: Os partidos políticos da oposição no Parlamento, que são a minoria, não como fazer para querever os pontos criticos da Constituição. Quais seriam as outra formas, num país democrático, de se pressionar, não só a oposição, a uma revisão da lei mãe?
GC: A oposição no Parlamento também pode desenhar o seu próprio projecto, o problema é que a Renamo decidiu não participar do processo de revisão, só o MDM é que participa deste projecto com um membro e 16 são da Frelimo. Será que o MDM quer depositar uma contraproposta? Pode fazer isso, mas o interesse neste processo é que publicamente todos o cidadão moçambicano pode depositar a sua proposta. Por isso lanço um apelo que o façam na comissão ha-doc da revisão da Constituição. Algumas organizações não governamentais já trabalharam sobre este processo, falo de um projecto muito desenvolvido do GDI, Instituto para o Desenvolvimento para a Democracia e Governação em Moçambique, que fez uma proposta de revisão global da Constituição, introduzindo várias inovações. Penso que esta organização vai entregar o seu projecto daqui há duas semanas, que pode suscitar o debate, e isso é que é interessante, porque de uma forma geral os moçambicanos são apaixonados pelo problema da Constituição. E isso pode alterar, talvez, o ponto de vista muito restrito que o partido no poder está a apresentar.

Para ouvir uma parte desta entrevista consulte o seguinte endereço: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html
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