Foto: Ismael Miquidade
Nádia Issufo: Trabalha com o grupo de teatro Mutumbela Gogo, como vai essa parceria?
Mia Couto: Quase que fui dispensado, no bom sentido, eles se tornaram independentes. Eu fiz parte do grupo que criou o Mutumbela Gogo, era uma espécie de escritor de serviço, as vezes nem escrevia o texto todo, escrevia uma base e discutia com eles e eles depois constituiam os personagens e eu escrevia dai alguns diálogos e outros componentes necessários. Agora eles se tornaram muito mais autonómos e estão a buscar textos de outros, e na altura também não havia textos escritos por dramaturgos moçambicanos, não havia dramaturgos em Moçambique, e pensamos: vamos ficar a espera de dramaturgos? Não podiamos, era preciso inventar, e o texto dramático nascia, e eu fui um dos obreiros desse processo, e nascia do próprio conto, das histórias que ouviamos e o Mutumbela foi fantástico, acho que vai ficar na história do teatro moçambicano, porque ele foi capaz de romover este circulo vicioso, de derrubar esta barreira, saltar uma ausência e isso vai marcar a história do teatro moçambicano.
NI: Os seus livros têm sido adaptados para filmes, para peças de teatro. Como é que se sente?
MC: Eu quase não vejo. Não no sentido negativo. Mas quando isso acontece eu procuro afastar-me. Porque essa outra obra tem que ter autonomia, tem que ter um outro registo, uma outra lógica. Se eu estiver presente, eu vou querer que aquilo seja o livro, prolongado e atirado para um outro contexto.
Acho que a minha sabedoria é afastar-me, e quando o produtor de teatro ou o cineasta me pede para eu estar presente, para eu dar algum apoio, eu faço-o. Mas faço como um escravo, como alguém que está ao serviço desse outro criador. O meu momento de criação já foi: foi o livro. Quando estou a ver um filme ou uma peça de teatro feita de um livro meu não vou com expectativa de reencontrar coisa nenhuma. Quero inclusivamente que seja uma coisa de um outro.
NI: Convido a fazer um raio-x da situação sócio-política e cultural do seu país...
MC: Moçambique vive uma situação muito difícil de definir num retrato simples. Há uma situação muito contraditória, há muita coisa positiva, que é até sinal de orgulho, conseguiu-se a paz, um sistema multipartidário, conseguiu-se instaurar uma base legal da democracia, ainda não há uma cultura de democracia, mas isso não é feito pelo governo e isso é feito pelo tempo que ainda não tivemos. Eu acho que isso é bom, e se tivermo tempo e estabilidade isso vai trazer resultados e seguramente, mas por outro lado tenho dúvidas que o modelo de economia e de gestão que adoptamos nos conduza ao objecto do nosso discurso, o discurso sobre a pobreza e de criação de riqueza social, eu tenho duvidas que isso esteja a ser conseguido da maneira que se pensa que se está a conseguir.
NI: Falou agora em economia, dois assunto actuais em Moçambique são a renegociação dos megaprojectos e as desigualdades sociais. Como o Mia vê esse assunto?
MC: Acho que isso deve estar na agenda, deve-se repensar nos grandes projectos, com os grandes investidos, porque é óbvio que na altura quando o governo começou a atrair o investimento tinha de criar atrativos muito especiais. Moçambique tinha saído da guerra num contexo regional instável, e é natural que os investidores não tivessem confiança. E agora que os investidores já estão cá ha alguns anos, vê-se que deixam muito pouco para Moçambique e alguns desses recursos são findáveis e fica muito pouco para o país, para além de que é injusto que haja facilidades para estes grandes investidores, enquanto os pequenos empresários tem de pagar taxas. E há contas feitas, economistas já nos mostraram que bastava que eles deixassem um pouquinho mais em termos de contribuição fiscal para que Moçambique estivesse noutra situação. Então acho que isso tem de ser rediscutido, acho que a desigualdade é um modelo que escolhemos. Acho que desigualdade é uma consequência de um modelo que escolhemos, a desigualdade não é coisa particular da nossa sociedade, se formos a qualquer país, países que sao apontados como as economias emergentes, são países de profundas desigualdades e não só, o mundo que eu visito, com excepção de alguns países do norte da Europa, são realidades muito chocantes, porque nós pensamos sempre que o retrato que eles criaram de si próprios como primeiro mundo, como se todo mundo vivesse como uma elite, não é verdade, há aqui uma coisa que não pode ser acusada particularmente a Moçambique.
NI: Outro tema actual é a cesta básica. Tem uma opinião formada sobre este assunto?
MC: Acho que houve uma certa ligeireza no tratamento deste assunto, este governo não pode declarar medidas que depois são requestionadas e a sua aplicação tão complicada que depois põem em causa aquilo que é muito sensível para as pessoas. A cesta básica para uma pessoa como eu, previlegiado nesta sociedade, não me toca, toca em forma de solidariedade para com os outros que são mais pobres do que eu, sim, mas eu não deixo de comer todos os dias porque não tenho a cesta básica. Talvez a intenção fosse boa, acredito que sim, porque também não é uma especificidade deste governo estar a aumentar os preços das coisas básica, é uma condição a que são obrigados estes países da periféria e não somo só nos. O que é triste ver, para mim, é que uma medida destas que deveria ser pensada com detalhe, com seriedade e com respinsabilidade desde o principio esteja agora a ser posta em causa e não se sabe exactamente como se vai aplicar e isso cria um sentimento de insegurança, de instabilidade que possibilita outras manifestações de rua como tivemos em Setembro do ano passado.
NI: As manifestações de Setembro último foram as mais violêntas da história de Moçambique. Este acontecimento terá desencadeado uma mudança no relacionamento entre o governo e a população?
MC: Devia ter sido algo mais forte, porque me paraceu que a elite moçambicana não respondeu da mesma maneira, acho que houve uma parte dela que pensou sim, que foi obrigada a pensar naquilo que foi algo escandaloso, vejo estes dirigentes viajarem em primeira classe, provocando gastos realmente surpefluos, pedindo aos outros que façam sacrifícios quando eles não fazem nenhum. E quando houve uma reacção, ela foi completamente negativa, de recusa da realidade, de fuga. A segunda vez que o governo vem dizer que aceita inclui já no pacote medidas que para mim eram um sinal de que havia uma certa revisão dessa atitude de esbanjamento de gastos inaceitáveis no que se refere a coisa pública. Mas acho que isso foi sol de pouca dura, porque a tentação desta elite é ver nos cargos políticos uma espécie de oportunidade de enriquecer rápido, então era preciso uma pressão contínua de partidos políticos, da sociedade civil, da opinião pública. No fundo esta elite não é diferente das outras, diz-se que as elites africanas são assim, não são. Todos o mundo tem os mesmos defeitos, gostam dos mesmo luxos e se fosse possível viviam na maior dessas situações de luxuria, com grandes carros, grandes casas, querendo enriquecer, todos o querem da mesma maneira. Nos outros países existe uma maior controlo social, o peso da opinião pública e da dinámica política entre-partidária aqui ainda não é forte, esta elite ainda se sente muito a vontade para fazer o que quiser.
NI: A pressão dos doadores internacionais e da sociedade civil para maior transparência, boa governação e domocracia aumenta. Para si já são visiveis os efeitos desta pressão?
MC: Há, mas eu acho que a pressão dos doadores é uma pressão ditada por razões ditadas por interesses próprios, não estão a defender grandes interesses morais, porque se o estivesses a fazer, por exemplo, pressionaram muito Angola e de repente transformou-se numa nação muito poderosa, com grandes capacidades de exportação de petróleo, e já mais ninguém pressiona o país, e os doadores internacionais já não vão pressionar grande coisa Angola. A Guiné Equatorial é um acsao tipico de uma ditadura inaceitável, mas os doadores internecionais, eu não gosto deste nome porque ninguém dá nada a ninguém, mas chamemos-lhes assim, tinham uma campanha sistemática de pressionar para que a ditadura neste país fosse superada, e de repente encontrou-se petróleo lá, o ditador está lá, ninguém o incomoda, ele agora até é o presidente da União Africana. O que se está a ver agora com a Líbia, os países que se assumem como comunidade internacional, que estão a frente do mundo, estão preocupados em defender os civis, mas as armas de Kadhafi que estão a matar os civis, quem é que as vendeu? Foram eles mesmos. Portanto, há aqui uma situação de cinismo e hipocrisia. Então, eu não estou a espera dos doadores internacionais para endireitarem o mundo.
NI: Falou agora em economia, dois assunto actuais em Moçambique são a renegociação dos megaprojectos e as desigualdades sociais. Como o Mia vê esse assunto?
MC: Acho que isso deve estar na agenda, deve-se repensar nos grandes projectos, com os grandes investidos, porque é óbvio que na altura quando o governo começou a atrair o investimento tinha de criar atrativos muito especiais. Moçambique tinha saído da guerra num contexo regional instável, e é natural que os investidores não tivessem confiança. E agora que os investidores já estão cá ha alguns anos, vê-se que deixam muito pouco para Moçambique e alguns desses recursos são findáveis e fica muito pouco para o país, para além de que é injusto que haja facilidades para estes grandes investidores, enquanto os pequenos empresários tem de pagar taxas. E há contas feitas, economistas já nos mostraram que bastava que eles deixassem um pouquinho mais em termos de contribuição fiscal para que Moçambique estivesse noutra situação. Então acho que isso tem de ser rediscutido, acho que a desigualdade é um modelo que escolhemos. Acho que desigualdade é uma consequência de um modelo que escolhemos, a desigualdade não é coisa particular da nossa sociedade, se formos a qualquer país, países que sao apontados como as economias emergentes, são países de profundas desigualdades e não só, o mundo que eu visito, com excepção de alguns países do norte da Europa, são realidades muito chocantes, porque nós pensamos sempre que o retrato que eles criaram de si próprios como primeiro mundo, como se todo mundo vivesse como uma elite, não é verdade, há aqui uma coisa que não pode ser acusada particularmente a Moçambique.
NI: Outro tema actual é a cesta básica. Tem uma opinião formada sobre este assunto?
MC: Acho que houve uma certa ligeireza no tratamento deste assunto, este governo não pode declarar medidas que depois são requestionadas e a sua aplicação tão complicada que depois põem em causa aquilo que é muito sensível para as pessoas. A cesta básica para uma pessoa como eu, previlegiado nesta sociedade, não me toca, toca em forma de solidariedade para com os outros que são mais pobres do que eu, sim, mas eu não deixo de comer todos os dias porque não tenho a cesta básica. Talvez a intenção fosse boa, acredito que sim, porque também não é uma especificidade deste governo estar a aumentar os preços das coisas básica, é uma condição a que são obrigados estes países da periféria e não somo só nos. O que é triste ver, para mim, é que uma medida destas que deveria ser pensada com detalhe, com seriedade e com respinsabilidade desde o principio esteja agora a ser posta em causa e não se sabe exactamente como se vai aplicar e isso cria um sentimento de insegurança, de instabilidade que possibilita outras manifestações de rua como tivemos em Setembro do ano passado.
NI: As manifestações de Setembro último foram as mais violêntas da história de Moçambique. Este acontecimento terá desencadeado uma mudança no relacionamento entre o governo e a população?
MC: Devia ter sido algo mais forte, porque me paraceu que a elite moçambicana não respondeu da mesma maneira, acho que houve uma parte dela que pensou sim, que foi obrigada a pensar naquilo que foi algo escandaloso, vejo estes dirigentes viajarem em primeira classe, provocando gastos realmente surpefluos, pedindo aos outros que façam sacrifícios quando eles não fazem nenhum. E quando houve uma reacção, ela foi completamente negativa, de recusa da realidade, de fuga. A segunda vez que o governo vem dizer que aceita inclui já no pacote medidas que para mim eram um sinal de que havia uma certa revisão dessa atitude de esbanjamento de gastos inaceitáveis no que se refere a coisa pública. Mas acho que isso foi sol de pouca dura, porque a tentação desta elite é ver nos cargos políticos uma espécie de oportunidade de enriquecer rápido, então era preciso uma pressão contínua de partidos políticos, da sociedade civil, da opinião pública. No fundo esta elite não é diferente das outras, diz-se que as elites africanas são assim, não são. Todos o mundo tem os mesmos defeitos, gostam dos mesmo luxos e se fosse possível viviam na maior dessas situações de luxuria, com grandes carros, grandes casas, querendo enriquecer, todos o querem da mesma maneira. Nos outros países existe uma maior controlo social, o peso da opinião pública e da dinámica política entre-partidária aqui ainda não é forte, esta elite ainda se sente muito a vontade para fazer o que quiser.
NI: A pressão dos doadores internacionais e da sociedade civil para maior transparência, boa governação e domocracia aumenta. Para si já são visiveis os efeitos desta pressão?
MC: Há, mas eu acho que a pressão dos doadores é uma pressão ditada por razões ditadas por interesses próprios, não estão a defender grandes interesses morais, porque se o estivesses a fazer, por exemplo, pressionaram muito Angola e de repente transformou-se numa nação muito poderosa, com grandes capacidades de exportação de petróleo, e já mais ninguém pressiona o país, e os doadores internacionais já não vão pressionar grande coisa Angola. A Guiné Equatorial é um acsao tipico de uma ditadura inaceitável, mas os doadores internecionais, eu não gosto deste nome porque ninguém dá nada a ninguém, mas chamemos-lhes assim, tinham uma campanha sistemática de pressionar para que a ditadura neste país fosse superada, e de repente encontrou-se petróleo lá, o ditador está lá, ninguém o incomoda, ele agora até é o presidente da União Africana. O que se está a ver agora com a Líbia, os países que se assumem como comunidade internacional, que estão a frente do mundo, estão preocupados em defender os civis, mas as armas de Kadhafi que estão a matar os civis, quem é que as vendeu? Foram eles mesmos. Portanto, há aqui uma situação de cinismo e hipocrisia. Então, eu não estou a espera dos doadores internacionais para endireitarem o mundo.
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