Os domingos da minha adolescência foram também preenchidos com teatro na companhia de amigos. Desciamos a pé para o Teatro Avenida para assisitir "O funeral de um rato", "Sexo? não obrigada!", "As mãos dos pretos", com direito a cortes de energia pelo meio, o que nos obrigava a voltar para casa frustrados. As descidas até este lugar continuam, o grupo de Teatro Mutumbela Gogo pode dizer, no meu caso, que conseguiu "fidelizar o cliente"... Hoje, para além de continuar na plateia, tenho a oportunidade de conhecer os bastidores desta casa, e com a comemoração dos seus 25 anos, mais motivos tenho ainda para cuscuvilhar... Comecei com Graça Silva:
Nádia Issufo: Que lugar ocupa o Mutumbela Gogo na tua vida?
Graça Silva: É a minha vida, o meu nascer até a minha morte.
NI: Imaginas-te divorciada do Mutumbela Gogo?
GS: Jamais! Mesmo de bengala eu vou pisar os palcos. Isso para dizer que o amor, a paixão e o estar bem comigo mesmo, passa por estar no Mutumbela Gogo e nos palcos.
NI: Conta-me, como vieste aqui parar?
GS: Fazia parte do grupo de teatro da escola Francisco Manyanga, onde estudava, e fui convidada a participar numa peça do Tchova Xitaduma quando ouvi dizer que o Mutumbela estava a fazer um casting, isso cerca de um mês depois da sua fundação, vim ter com a Manuela Soeiro que me aceitou e desde lá faço parte do Mutumbela.
NI: Vocês festejam 25 anos de existência, qual é o significado desta data para ti?
GS: Significa muita coisa, desde aprendizagem da vida, das artes e no próprio teatro. Por exemplo, comecei a viver a vida com cerca de 20 anos; aprender a comportar-me e estar com as outras pessoas, começava a ter projectos e foi com essa idade que entrei no Mutumbela. Para mim isso é tão grande que nem há espaço no meu coração.
NI: Para além de seres actriz é mãe, esposa... como é conciliar tudo isso?
GS: Não é fácil, considero-me abençoada, por estar casada até hoje. Conheço muitas mulheres no mundo das artes que dificilmente conseguem se manter casadas. É uma luta diária que faço, eu gostaria de continuar com a minha familia porque também do teatro não me vou separar. Tento conciliar as duas coisas, estar com a minha família nos meus tempos livres.
NI: Como a tua família vê o "parente" Mutumbela Gogo"?
GS: Eles ficam com ciúmes, para eles o teatro está em primeiro lugar na minha vida, mas não é bem assim. Esta profissão requer muito de nós, consome-nos muito, principalmente quando viajamos eles sentem mais falta, porque as vezes ficamos meses fora. Quando estou cá é mais fácil porque dá para aproveitar determinados períodos, então eles consideram-se os segundos ou terceiros da família.
NI: Para além de seres actriz já encenas, estás a andar com as tuas próprias pernas. Queres falar dessa nova faceta?
GS: É um grande desafio e um desejo que sempre tive. A primeira peça que encenei foi uma grande aventura, tinha medo, não sabia se iria conseguir, da reacção do público, dos meus colegas, mas acho que consegui me sair bem e consegui seguir os passos do Mutumbela que é a minha escola e consegui transmitir aos outros actores com quem trabalhei o que tenho feito no Mutumbela, o que é muito benéfico.
NI: Já fizeste muitas peças, diz-me uma que te marcou...
GS: Estou dividida, tenho duas no coração; "Os meninos de ninguém" onde fiz o papel de Nascimento e a peça "Vestir a terra", foram trabalhos que me tocaram no fundo, sem querer menosprezar as outras peças.
NI: Agora estão a preparar as celebrações dos 25 anos...
GS: Nunca pensei que fossemos chegar a este nível de profissionalismo, é um agrande vitória para nós e acredito que será um grande exemplo para os fazedores do teatro em Moçambique, ou noutros lugares, para que haja um reconhecimento, e isso também lhes dará mais força e estimulo para continuarem neste mundo. É preciso muita persistência para fazer teatro em Moçambique.
NI: Como te sentes pelo reconhecimento do teu trabalho e por pertenceres a um grande grupo?
GS: É uma benção, é esse reconhecimento que nos faz continuar e é bom saber que sou útil para a sociedade.
NI: O que sonhas fazer ainda no Mutumbela Gogo?
GS: Termos uma escola de teatro, porque há muita gente que gostaria de aprender conosco, embora convidemos alguns actores para alguns trabalhos, mas com uma escola seria melhor. O outro sonho é continuar a fazer encenação e continuar no palco.
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