quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A única coisa que é transparente em Angola é a corrupção, diz Rafael Marques

Nesta terça-feira a Transparência Internacional divulgou o seu índice de Corrupção Percecionada deste ano relativo a 177 países. No geral os PALOP continuam nas piores posições, com destaque para Guiné-Bissau, Moçambique e Angola. Entretanto, este último país subiu um ponto, o que não é visto como uma melhoria tanto pela ONG, como pelo activista dos direitos humanos angolano Rafael Marques. Entrevistei o activista para a DW África:




Nádia Issufo(NI): Que factos terão contribuído para esta subida?
Rafael Marques (RM): É necessário notar antes de mais que muitas das vezes as melhorias registadas pelos países tem mais a ver com a percepção internacional do que com factores internos. Neste momento, por exemplo, quando olhamos para a grande corrupção em Angola, não há casos que tenham chegado a tribunal. Então, há aqui uma situação de maiores problemas ao nível da corrupção e da gestão da coisa pública e eventualmente a percepção pela informação que o Governo divulga leva instituições internacionais a pensarem que  houve uma melhoria na gestão da coisa pública no sentido da transparência, mas quando na realidade não e até na realidade houve um agravamento da situação.

NI: Como vê o facto deste tipo de avaliação ser feita por ONGs internacionais, considerando que estas tem financiamento externo e nos seus relatórios os países ocidentais estão em posições mais "limpas", mesmo que saibamos que os tais países não são tão "limpos"?

RM: O que é fundamental é pensar naquilo que os angolanos nos países que são pacificados o que os cidadãos pensam do estado da corrupção e transparência nos seus próprios países. Porque os principais fiscais e beneficiários e os mais prejudicados dos actos de corrupção são os cidadãos dos países em questão. E no caso de Angola são os angolanos. E é lógico que quando falamos deste tipo de rankings estamos a falar de países ocidentais que não contam os actos de corrupção dos seus próprios países noutras paragens. Mas também há aqui um factor importante, por exemplo, é sabido que há empresas da Alemanha que são altamente corruptas que estão a ser multadas nos EUA  e noutras paragens. Há um tipo de democracia que permite aos cidadãos levantar estas questões. Há pesos e contra-pesos nos sistemas de governação que os países africanos não têm, então a Alemanha eventualmente pode fechar um olho para promover as suas próprias empresas e até dar um desconto a corrupção que exerce junto de dignatários estrangeiros, mas isso não prejudica a Alemanha como prejudica África.

NI: O Rafael acha que uma ONG genuinamente angolana que trabalhasse no combate a corrupção teria credibilidade a nível internacional ao apresentar pesquisas em relação ao tema?

RM: Claro que não. Eu próprio tenho tido experiências, por exemplo, se eu der uma informação a uma instituição internacional esta informação num relatório internacional tem toda a credibilidade, e se eu próprio publicar esta informação tem menos credibilidade. Mas isso é um problema que nos toca a nós africanos que devemos procurar acima de tudo ganhar maior capacidade de intervenção sobre os nossos próprios problemas, porque a dependência que tem do ocidente é muito por culpa nossa.



NI: Muitas ONGs da sociedade civil em África com credibilidade internacional são essencialmente financiadas pelo ocidente. Acha que se pode fiar neste tipo de organizações que não tem independência financeira?

RM: Podermos sim, porque há aqui o problema da falta de capacidade e vontade política por parte da classe empresarial africana em financiar, por exemplo, a pesquisa e trabalhos ao nível da sociedade civil. Porque a sociedade civil é dependente dos fundos externos em África? Em Moçambique também há individous muito ricos, mas quantos desses tiram algum do seu dinheiro para financiar ONGs? Muito poucos, se alguns o fazem.

NI: Voltando ao índice da Transparência Internacional, acredita que esta subida de Angola pode-se transformar numa tendência?

RM: Sim, sim. No caso de Angola a melhoria só acontecerá quando este Presidente sair, porque ele tem sido o principal promotor da corrupção em Angola. E enquanto ele se mantiver no poder a corrupção será sempre o motor da sua própria governação. Ele não governa para o povo, então precisa da corrupção para manter certos sectores da sociedade alienados.

NI: O Rafael disse que há poucas denuncias de corrupção. Será que elas podem realmente para combater a corrupção, ao lado das manifestações?

RM: Sim, sim. É importante a participação do cidadão na denuncia e fiscalização e persistência para que a legislação seja aplicada e para que de facto as pessoas que passeiam pelas ruas orgulhosas de serem corruptas sejam vistas como criminosas. Hoje há uma certa tendência de olharmos para o corrupção como questão de honra e estatuto social.

NI: E o Rafael como angolano que ai vive é capaz de apontar alguma melhoria no combate a corrupção, por mais pequena que seja?

RM: Não. Vejo uma regressão e explico porque: aprovou-se a lei da probidade e não há nenhum caso em que ela tenha sido aplicada em tribunal e os casos de corrupção continuam todos os dias. Por outra, temos uma aspecto muito importante, o Presidente continua a nomear, até o seu genro que é congolês para uma instituição pública, por decreto presidencial. Isso é um caso claro de nepotismo. A única coisa que é transparente em Angola é a corrupção.

Leia e escute mais sobre o assunto em:  http://www.dw.de/subida-de-angola-no-ranking-da-transparência-internacional-não-significa-melhoria/a-17269084

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