segunda-feira, 7 de março de 2011

A inocência também é atrevida


Foto: Ismael Miquidade

Discutiamos há semanas o Acordo ortográfico da língua portuguesa, eramos falantes de várias partes do mundo, aproximadamente seis pessoas, e os falantes que terão de mudar a forma como escrevem há dezenas de anos enfurecidos contestavam o Acordo apresentando inúmeros argumentos compreensiveis, obvio. Como sempre este assunto que supostamente só diz respeito a grafia desembocou na fala, e por esta via todos se recusam a mudar aquilo que são desde que nasceram. O único brasileiro do encontro, que nesta guerra de muitas batalhas tem pouco a mudar, ou seja, não será agredido na sua existência, durante a discussão não entendia a razão da revolta, claro, e disse-me depois numa conversa a dois: "mas vocês não terão que mudar nada, os vossos filhos sim..."

Poder e a Língua
Noutra discussão alguém disse algo como: "não sei como Portugal aceitou esse Acordo, a língua até nasceu lá..." Pois é... e eu, Nádia Issufo, como fico nessa história? O Português foi para a minha terra de barco e caiu aos poucos no mar, como se diz lá na minha terra em jeito de gozo, mas mesmo assim é a minha língua materna, ela é o que eu sou. Sou por isso menos falante dessa língua do zarolho do que os outros? e portanto com menos direitos?
Sinto que estou no meio de uma luta entre portugueses e brasileiros, não, minto, estou no meio de uma rebelião dos portugueses contra os brasileiros, e estes últimos por sua vez seguem tranquilos, afinal não foram afectados.
Só que estes, neste contexto da guerra, não percebem que eu existo, porque na verdade eu não existo...
E fico triste que uns se sintam no direito de se rotularem os donos da língua e de outros seguirem de nariz em pé.
A minha única alegria é de saber que embora a vontade política predomine no final, lá onde eu existo, as pessoas com sensibilidade tem opiniões plausiveis e tem consciência, só que isso infelizmente ainda não produz o poder que movimenta os cifrões do mundo.

Uma ajudinha na imposição
Há canais estrangeiros que dizem que trabalham para os países africanos de língua portuguesa e que decidiram adoptar já o Acordo ortográfico. Uma das justificações é de que um único padrão facilita o trabalho , a semelhança do que os políticos fazem. Vai ser mais fácil nos grandes encontros internacionais (que algumas vezes trazem pouco sumo) ter um padrão único, etc. Vamos lá fazer de contas que entendo esses pseudo-argumentos.
Agora entender que órgãos de comunicação dêm uma "super ajuda" ao Acordo que não foi ratificado pela maioria do seu grupo alvo, isso já é pedir demais...

2 comentários:

  1. Realmente um assunto delicado. Eu me incluo no grupo dos brasileiros e realmente nao fomos muito afetados, de fato. Mas tb acredito estar no mesmo barco de Nadia Issufo, afinal se levarmos em consideração barcos e navios que despejam idiomas e costumes em terras alheias, ... entao tambem na minha terra (sim, minha terra, porque la nasci e cresci) despejaram um idioma que para os nativos era estranho.

    Se tivesse continuado tudo como era antigamente (bem antigamente), talvez hoje falaríamos guarani no Brasil; ou eu até mesmo nem existiria, já que o Brasil é tudo menos um povo de nativos. Uma mistura de povos que vem de todos os lugares do mundo (mesmo que isso tenha acontecido ha centenas de anos). O mais dificil no Brasil: é encontrar um indio. Pena !

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  2. Sim... não podemos travar as dinámicas da vida, mas temos de nos respeitar... Esse é que é o problema!

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