"Filho, vai para a escola aprender a vencer sem ter razão", disse a mãe de um famoso escritor africano no tempo colonial. O conselho continua atual.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Angola: Existirá ainda o ponto de retorno?
"As negociatas dos deputados Angolanos" é mais um artigo de denúncia do jornalista e defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques. O mesmo resulta de uma pesquisa por ele realizada sobre a transparência e incompatibilidade de funções no Parlamento angolano. Em mais um conversa com esta figura, ficamos a saber de situações irregulares concretas. Marques, como sempre, meteu lá o dedo e você pode saber como saiu de lá o indicador dele...
Nádia Issufo: Acredita num esforço do Parlamento, como apelou o presidente do Parlamento angolano, Fernando da Piedade Dias dos Santos, para fiscalizar o governo com vista a uma maior transparência em Angola?
Rafael Marques: Não por uma razão muito simples, e parte do estudo que estou a fazer sobre o Parlamanto indica isso. É que grande parte dos principais deputados, aqueles mais influentes, estão envolvidos em negócios privados com membros do governo, logo não há como o Parlamento ter capacidade de fiscalização do governo porque há uma promiscuidade muito grande em termos de negócios privados que envolvem o Estado entre membros do Parlamento e do governo.
NI: No seu artigo fala de seis casos de deputados cujas actividades comerciais pedem uma atenção especial. Quer apontar concretamente essas situações?
RM: Sim, a primeira é do secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo Dino Matrosse, que também é deputado, do vice presidente da Assembléia Nacional, senhor João Lourenço, que também foi secretario-geral do MPLA, e estes dois deputados estabeleceram um contrato com o governo em Julho passado para a criação de uma fábrica de cerveja e outra de vidros, no valor de 160 milhões de euros, com o ministro da defesa, o general Nkundi Payama. A lei angolana não permite que deputados e membros do governo façam contratos privados com Estado para beneficio próprio. Então, é uma violação clara da legislação em vigor por parte desses deputados, assim como da parte do ministro da defesa.
Outro caso marcante é que quem assinou esses contratos por parte do Estado é o anterior vice-primeiro ministro, senhor Aguinaldo Jaime, que agora representa o instituto para o investimento estrangeiro, assinou em nome do governo. E ele é o dono de um hotel quatro estrelas inaugurado em Novembro em Luanda, orçado em 58 milhões de dólares. Ele para fazer o hotel teve de assinar com a agencia que ele próprio representa, caso proibido por lei.Outro caso que apresento e é o mais caricato, é do deputado Afonso Van Dunem Binda, do MPLA também, é presidente da Fundação Sagrada Esperança, esta fundação pertence ao MPLA e há dias inaugurou o centro de conferências de Belas, onde decorreu o sexto congresso do MPLA, e onde também o presidente falou sobre a corrupção.
Esta fundação recebe do Orçamento geral de Estado 25 milhões de dólares por ano, aprovados pela Assembléia Nacional têm um contrato de 10 anos. A legislação angolana não permite isso porque o deputado neste caso esta numa situação dúbia, por um lado a legislar e aprovar o orçamento do Estado, e por outra a ser um dos principais beneficiário do Orçamento geral do estado.
A fundação encaminha parte desses fundos para uma empresa também criada pelo MPLA para a concessão de pensões a antigos combatentes e outros num processo obscuro que só beneficia os militantes leais do MPLA.
Com que fundos a Fundação Sagrada Esperança está a desenvolver grandes projectos comerciais, incluindo a construção de um edifico demais de 20 andares no centro da cidade orçado em mais de 60 milhões de euros. Num anuncio feito pelo deputado referiu que recebeu o empréstimo do banco. Eu ao fazer a analise da sociedade também dei conta que 45% das acções do banco Sol pertencem ao MPLA através de uma empresa que criou. É uma teia muito complicada.
O quarto exemplo tem a ver com a segunda vice-presidente da Assembléia Nacional, Joana Lima, que é a presidente do Conselho de Administração da Fundação Luwini da primeira dama Ana Paula dos Santos. A questão que se coloca: como uma deputada com um cargo tão elevado na AN pode ser funcionaria da esposa do presidente da República? Que autonomia tem para fiscalizar os actos de presidente na sua qualidade de chefe de Estado e chefe do governo?
E mais, esta Fundação também tem negócios, é o segundo maior sócio do banco Sol. E na sua assembléia geral tem como membros a Chevron e outras companhias petroliferas e outras multinacionais. Então, é uma promiscuidade muito grande.
O quinto exemplo é o do presidente da comissão de economia e finanças da AN, o senhor Diógenes de Oliveira. Ele é administrador do Banco comercial angolano. A lei orgânica do estatuto dos deputados e a Constituição proíbem claramente os deputados de serem membros de conselhos de administração de empresas privadas. No entanto temos um caso claro e aberto que é do conhecimento de todos os cidadãos, de que o senhor Diógenes de Oliveira acumula a função de deputado com a de administrador de um banco. E eu estou a levantar esses casos precisamente num momento em que o presidente tem feito anúncios que tem corrido o mundo de que decretou a tolerância zero a corrupção para mostrar como a corrupção está institucionalizada em Angola e com o beneplácito dos próprios dirigentes e que os próprios dirigentes não conseguem dirigir o país sem esse ardil de corrupção.
O sexto exemplo tem a ver com o presidente da comissão constitucional. Hoje estamos a passar por um processo constituinte com muitas dificuldades e muitas cidadãos compreenderão qual mo papel do presidente da comissão constitucional, o senhor Bornito de Sousa, também chefe da bancada parlamentar do MPLA. Ele é sócio de da mundial seguros, uma empresa privada de seguros. Esta empresa tem como sócio maioritário o banco de poupança e crédito que é um banco de capitais públicos. Isto é proibido por lei. Como o deputado é sócio do Estado num consórcio privado? A lei claramente proíbe isso. Estou a falar de empresas criadas enquanto esses indivíduos estão em funções. Logo, não há como esperar do parlamento qualquer fiscalização dos actos do governo
NI: As instituições que tem de fazer valer a lei que papel tem desempenhado diante das irregularidades que nos aponta?
RM: Por isso é que comecei as minhas investigações como o procurador geral da República. O procurador também tem várias empresas, e duas delas, a Lídimo e Prestcom, também oferecem serviços de consultoria jurídica e acessoria legal o que é contra a lei. E mais, o procurador-geral, segundo a Constituição, não pode exercer qualquer função privada. No entanto o procurador geral senta-se nas assembléias gerais das suas empresas. É preciso... para que se debata o problema da corrupção, é necessário que os cidadãos tenham acesso a informação e sejam eles através de mecanismos cívicos de pressão, a demonstrar que o governo está incapaz de gerir o país para o bem comum. Porque de outra forma, confiar nas instituições do Estado, como no poder judicial, seria uma desilusão porque todos comem da mesma panela.
"O Contributo das empresas e governos estrangeiros no aumento da corrupção"
NI: Dado imbróglio que Angola vive nos campos da transparência, boa governacão e combate a corrupção, como considera que deve ser feita a luta contra esses males?
RM: Não há um esforço do governo para que haja transparência nos seus actos, é preciso esclarecer isso. Os discurso do presidente José Eduardo do Santos são desde 1980, quando assumiu o poder e já foram mais criticos. Ele transfere sempre as respossabilidades dos seus actos para os seus subordinados quando ele é o chefe do governo. O que é fundamental é que os cidadãos ganhem consciência de que a corrupção é um crime que está a lesar a pátria, que está a destruir o tecido social angolano, que está a destruir a função pública, e o sentido do que é o Estado. E quando os cidadãos compreenderem isso, e que devem viver do seu salário, e que "os esquemas", como nós aqui chamamos, de sobrevivência, não fazem se não alimentar este rol de destruição moral, civica e política do país, então as pessoas começarão a exigir um novo tipo de governação e novos governantes. Porque dizer que há um esfoço do governo para combater a corrupção, isso é mentira.
Porque o que se vê na realidade e o agravamento da situação porque alguns dirigentes pensam que a legalização dos actos de corrupção em principio abole a corrupção. Eu mencionei contratos assinados entre deputados, ministros e deputados para a legalização de negócios privados. Isto é contra a lei e mesmo que essas empresas passem pelo conselho de ministros e sejam aprovadas, o saque que os dirigentes fazem e reinvestem em projectos privados e por essa via se faz a lavagem desse dinheiros, tudo isso constitui uma ilegalidade perante a legislação angolana e os cidadãos devem criar mecanismos para divulgar cada vez mais a legislação contra a corrupção. A corrupção em Angola hoje tem um grande meio de suporte que são as empresas e governos estrangeiros que assinam contratos bilaterais com Angola para a protecção de investimentos que incluem também aquilo que é roubado erário público, e um exemplo é Portugal. Hoje a família presidencial está a investir milhões de dólares neste país, a filha do presidente que representa os seus negócios, praticamente a maior investidora privada em Portugal, que pode beneficiar deste acordo bilateral de protecção recíproca de investimentos com Portugal. Mas isso é dinheiro roubado de Angola e é isso que é preciso explicar as pessoas e encontrar mecanismos para levar a justiça aqueles que estão a transformar Angola num país onde só a corrupção vale, e impera e a corrupção domina o modo de governação neste país.
NI: Neste momento as organizações da sociedade tem condições de exigir transparência ao governo e aos parlamentares?
RM: As organizações em si não têm condições, isto é uma questão de consciência. Porque aqui se trata mais uma vez da questão da libertação social e política dos cidadãos angolanos. Por exemplo, eu estou a animar este projecto anti-corrupção não tenho uma organização, não tenho sttaf, simplesmente tenho capacidade de recolher a informação. A internet hoje é um veiculo muito barato para a divulgação de informação e uma vez que esta informação seja bem estruturada e verídica acaba por criar repercussões. Então é isso que é fundamental, que os cidadãos se sintam como indivíduos com poder suficiente que a Constituição garante para fiscalizar os actos do governo, para falar em nome da sociedade, e para encontrar mecanismos que permitam uma sociedade mais transparente. Termos uma sociedade onde o governo sirva os interesses do povo e não dos dirigentes.
NI: 2009 se foi praticamente. Consegue ver algo de bom que tenha acontecido em Angola?
RM: Sim, muitas coisas boas aconteceram em Angola. É uma sociedade onde os cidadãos diariamente procuram novas formas de actuação e alguns problemas estão a ser resolvidos e outros estão a ser criados. Mas e como qualquer sociedade, há avanços e recuos e isso é que fundamental reconhecer. Não é uma sociedade estática, é dinámica. Tem se notado progressos em varias áreas, retrocessos noutras. E é preciso que os cidadãos continuem a lutar pela melhoria da sociedade. E esta não é uma questão reservada apenas aos dirigentes, mas a todos os cidadãos. Eu penso que há cada vez maior consciência entre os angolanos sobre a necessidade de participara activamente na vida política e nas mudanças que o país precisa.
NI: O que gostava de ver realizado em 2010 para o seu povo?
RM: Uma maior acção cívica por parte dos cidadãos, um maior empenho, uma maior batalha na luta contra a corrupção. Porque é o principal mal que trava o progresso, a afirmação dos angolanos. Porque hoje só é promovido aquele que tem condições de garantir a manutenção dos mecanismos de corrupção ou alimentar os mecanismos de corrupção. E quando se estancar a corrupção certamente teremos uma sociedade onde a competência será valorizada onde a honestidade e integridade farão parte das exigências na função pública e no sector privado, hoje é o contrario. O angolano que se afirma honesto e integro é chamado de burro, então é preciso inverter esse quadro.
Pode ouvir esta entrevista em duas partes através do: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html selecionando a emissão da noite do dia 28 de Dezembro e emissão da manhã do dia 30 de Dezembro
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