quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

E das Cinzas Nasce Daviz Simango...



A figura política do momento em Moçambique esteve na Alemanha esta semana a convite da Fundação alemã Konrad Adenauer para participar da Conferência do Partido Popular Europeu. Tive a oportunidade de conversar com ele por cerca de vinte minutos. Daviz Simango, o presidente do partido que está a mostrar pretender ser uma oposição credível, falou a Deutsche Welle sobre algumas questões que ficaram suspensas durante as últimas eleições no país.


Nádia Issufo: Está satisfeito com os resultados das eleições em Moçambique?
Daviz Simango: Para ser sincero não, porque o processo eleitoral moçambicano foi tão injusto de modo que vivemos numa situação inadmissível em Estado democrático e de direito. Verificamos uma CNE que excluiu partidos políticos e muitas vezes as pessoas pensam que aquela decisão influenciou os resultados, mas para nós está claro que o MDM teria tido melhores resultados do que os que têm hoje. Portanto, é uma luta muito forte, é uma luta em que precisamos de repensar que tipo de CNE o país precisa, de certeza que não é esta CNE. Têm de ser inclusivos, solicitar o seu voto ao eleitorado e compete ao eleitorado fazer a tal exclusão. Por outro lado, sentimos que o Conselho Constitucional agiu de má fé, não teve a maturidade de transparência e de imparcialidade ao analisar os processos que submetemos a eles. Limitaram-se ao mapa-controlo que tinha defeitos e ficou provado com a situação do PDD em que afinal de contas a CNE reconhece ter havido alguns erros no mapa-controlo.

NI: Acredita numa partidarização da CNE e do CC?
DS: Isso é muito forte, muito forte. Se formos a olhar para o passado não nos restam dúvidas de que há uma partidarização muito forte, há uma grande influência política sobre esses dois órgãos. Infelizmente são órgãos que deviam pautar por uma transparência, por pôr em ordem o que é necessário para que os moçambicanos sintam um Estado de direito. Infelizmente é a realidade que vivemos, sentimos que o presidente da CNE é um teleguiado pelo partido no poder, sentimos também que o CC comunga com as mesmas idéias, o que é muito mau. Tivemos anteriormente um presidente do CC, o Doutor Rui Baltazar, que nos parecia um pouco mais transparente, mais honesto, mas infelizmente essa situação mudou drasticamente em Moçambique.

NI: Na sua opinião como devem ser constituídas estas instituições que arbitram os processos eleitorais?
DS: Notamos no processo da constituição dessa CNE que várias pessoas da sociedade civil foram simplesmente negadas, porque afinal de contas havia medo de que essas pessoas iriam optar pela transparência e justiça. Optou-se por escolher um grupo de amigos. Infelizmente os membros de alguma sociedade civil que estão lá dentro deixam muito a desejar, o que é mau.

NI: O MDM juntamente com outros partidos terão já delineado alguma estratégia com vista a ditar a mudança na forma da constituição de instituições como CC e CNE?
DS: Nós pensamos que é preciso que a sociedade civil por si e só se escolha. Os partidos políticos podem estar lá representados, mas não como arte de imposição e sim como componentes que de perto possam se comunicar. Mas por outro lado a liderança deve estar nas mãos da sociedade civil, mas esta não deve ser imposta.

NI: Reconhece algum tipo de falha da sua formação política que tenha contribuído, também, para a derrota do seu partido?
DS: Nós somos um partido que nasceu em Março e em Julho decidimos tomar a dianteira para concorrer as eleições a quatro meses da eleição de 28 de Outubro. O Partido mostrou capacidade organizacional, força de vontade e empenho de contribuir para um Moçambique para todos. Portanto, não notamos alguma falha. Eventualmente não era possível ter, por exemplo, delegados de lista ou fiscais a nível nacional porque isso envolvia custos e o MDM não tinha meios para tal. O MDM fez uma cobertura na ordem de 70%, o que é muito bom até o partido no poder não conseguiu fazer a cobertura em 100%. Portanto, o partido no poder tem duas vantagens: primeiro recorrem aos meios do STAE, são sete pessoas por mesa que na sua maioria exerce a função de olheiro do partido no poder e nós os outros temos que galgar com os nosso próprios. Também é preciso compreender um fenómeno que aconteceu, as pessoas ficaram desmotivadas e não foi fácil encontrar pessoas disponíveis dadas as distâncias.

NI: Acredita que o MDM tem a capacidade de colher os votos dos moçambicanos considerados realmente alfabetizados?
DS: Acho que sim, o problema chave agora é o que o MDM deve capitalizar do que conseguiu durante a campanha eleitoral. Constituímos um partido e logo entramos na corrida eleitoral, agora temos quatro anos para trabalhar no terreno. É preciso que o MDM trabalhe muito no meio rural onde a comunicação é deficiente e é ai onde precisamos de montar a nossa estrutura cada vez mais forte e sólida e que possa garantir que haja penetração massiva no seio das populações

NI: Vê o seu partido como uma esperança para os moçambicanos?
DS: O MDM é de certeza o governo do amanhã, disso não temos dúvidas.

NI: A sociedade, os políticos e a comunidade internacional dizem que há democracia no país. Entretanto, o partido no poder cada vez mais conquista o seu lugar e se consolida com base em pilares da democracia, através de instituições que arbitram o processo eleitoral, como CNE, CC, observadores locais, regionais e internacionais. Com vê isto, com bases nesta democracia legitimada que Moçambique retorne ao tempo do mono partidarismo?

DS:
Em Moçambique há dois factores interessantes: o primeiro é o discurso político dos membros do partido no poder. Há um discurso que diz “que nem com democracia nem com eleições sairiam do poder”, estou a citar o general Alberto Chipande. Há uma outra citação de Marcelino dos Santos que diz que “o país só vai andar e desenvolver e haverá uma verdadeira paz se existir um partido único”, portanto, são citações de pessoas dentro do regime. Estas situações mostram claramente que a democracia no país é de fachada, portanto, é preciso lutar para que haja uma democracia efectiva. A democracia só se faz sentir no tempo de eleições, não é essa a democracia que queremos. Queremos uma democracia que exista mesmo quando não há eleições, em que as instituições estejam fortes, em que haja uma separação nítida de poderes, entre o poder executivo, legislativo e judicial, em que o poder judicial não seja nominado pelo chefe de Estado. Queremos que um procurador geral seja indicado por concurso público, que os magistrados dentro da sua carreira sejam indicados, queremos que os reitores deixem de ser nomeados pelo chefe de Estado, poderão ser homologados, mas que dentro do Conselho universitário haja condições para tal. Enquanto esses pilares básicos não existirem dificilmente haverá democracia. O que está a acontecer e que o partido no poder se confunde com o Estado, notamos que os meios do Estado estão a ser usurpados pelo partido no poder.
Em relação a situação dos PCAs em que a legislação não está clara, não está claro quanto a punição da corrupção e isso tem que estar claro. E isso que os nossos deputados vão ter de fazer, terão de submeter propostas concretas sobre como agir contra a corrupção. Não uma legislação clara sobre conflitos de interesse. Portanto, a elite política do país continuar a dominar a economia do país e isso é perigoso. No nosso país ainda não há a democracia desejada, esperemos que com a alternância no poder os pilares básicos de uma democracia possam acontecer. É preciso compreender também que a função dos órgãos eleitorais não é de excluir partidos, eles devem trabalhar para inclusão dos partidos, monitoria e sensibilização dos partidos políticos sobre diversos procedimentos legais. Tem de se criar uma plataforma de simplificação de processos em que todos os moçambicanos possam concorrer.

NI: Consegue olhar para a RENAMO com um potencial rival?
DS: A RENAMO é um partido de oposição como nós. Temos a glória de estar em quatro meses em órgãos de decisão no país. Agora, compete a RENAMO dar o seu espaço e ao MDM também dar o seu espaço. um dia um de nós poderá estar no poder. Somos aliados de oposição, o importante é que façamos política neste momento.
Pode também ouvir os audios desta entrevista em três partes, atrevés do site: www.dw-world.de: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4996506,00.html, emissão da manhã do dia 9 de Dezembro. http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5011332,00.html, emissão da manhã do dia 14 de Dezembro. http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html, emissão da noite do dia 18 de Dezembro.

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