Em Moçambique a CNE voltou a ser partidarizada, contrariando a tendência de despartidarização em curso no país. Na negociação da crise político-militar, entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, o maior partido da oposição, assim foi decidido. De lembrar que a CNE numa primeira fase era partidarizada, e mais recentemente composta principalmente por membros da sociedade civil, embora considerados próximos ao partido no poder. Entrevistei para a DW África João Pereira, académico da área de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane, sobre o assunto.
Nádia Issufo (NI): O senhor não considera a nova partidarização da CNE um retrocesso ao processo de democratização?
João Pereira (JP): Eu pessoalmente acho que não. Nós
estamos na construção do processo democrático, quando o nível de
confiança dos atores, dos partidos e dos cidadãos em relação às decisões
políticas é muito baixa. Muitas vezes, a falta desta confiança tem criado condições para
potencializar este conflito. Se isto vai ajudar aos atores políticos –
neste caso a RENAMO, o MDM e às outras forças políticas – a confiar mais
na Comissão Nacional de Eleições e no STAE, então, à própria
estabilidade do país, acho que é um risco que deve se correr.
NI: Mas não há o risco de RENAMO e FRELIMO capturarem a CNE criando uma espécie de "bipartidarismo"?
JP: Sim, mas esta é a história deste país nos últimos
10, 15 anos. Sempre foi gerido dentro da lógica da bipolarização. Então,
se os eleitores dão a legitimidade à RENAMO ou à FRELIMO para
representar os seus interesses, não serão organizações da sociedade
civil nem a vontade externa que vai impor esta vontade interna.
O sistema político moçambicano, neste momento, é bipolarizado e é a
partir da bipolarização que vai se construir as decisões democráticas.
Até que se chegue a uma altura que o próprio MDM ou outra força política
consiga fazer frente à esta bipolarização.
NI: E avançar com a sociedade civil, como havia sido feito anteriormente, não seria muito mais transparente e justo?
JP: Eu sou moçambicano e ando há muito tempo a procura
da sociedade civil que não seja politizada. Todas as organizações da
sociedade civil, direta ou indiretamente, têm seus interesses. E, muitas
das vezes, quando você tem atores como, por exemplo, o partido FRELIMO,
RENAMO, MDM ou outras forças políticas, que você não tem consciencia da
sociedade civil, então como esta sociedade civil pode garantir a
neutralidade se estes atores políticos não tem confiança nestas mesmas
organizações da sociedade civil.
Então é um caso muito complexo que vai se construindo diariamente. E,
se calhar daqui a 15, 20 anos, quando houver reformas profundas na
sociedade, e, por outro lado, com uma classe média muito mais forte do
esta que existe atualmente, talvez teremos instituições independentes.
Este é um processo normal da construção e reconstrução do sistema
político de Moçambique. Nós vamos ter estes momentos frquentemente pelos
próximos cinco, sete, oito anos – que são momentos de avanços e recuos.
Só assim que vamos construir as instituições políticas.
NI: Existem duas outras instituições
notadamente partidarizadas: o Conselho Constitucional e o Exército. Com
esta repartdarização da CNE, o senhor acha que não há chance de
despartidarização destes outras instituições?
JP: Nos próximos tempos, vamos ter uma situação muito
semelhante a outros países africanos em processo de transição. Então,
isto não é muito preocupante neste momento. Temos que criar condições
para que as instituições se consolidem a partir do aumento da Educação e
da Cidadania das pessoas. Segundo, a partir da mudança geracional em
nível dos partidos políticos.
Com esta mudança geracional, acredito que nos próximos 10, 15 anos,
teremos condições suficientes de criar instituições políticas que não
sejam muito capturadas pelas forças políticas – neste caso RENAMO e
FRELIMO – mas que comecem a existir outros atores sociais e políticos.
Por exemplo, a emergência do MDM também vai permitir a mudança do jogo
político. A emergência de uma sociedade civil, de uma classe média e das
academias mais fortes podem contribuir imensamente para o aumento da
credibilidade e garantia de transparência e neutralidade das
instituições políticas.
Escute a entrevista em: http://www.dw.de/partidariza%C3%A7%C3%A3o-da-cne-em-mo%C3%A7ambique-n%C3%A3o-%C3%A9-retrocesso-diz-analista/a-17440922
Sem comentários:
Enviar um comentário