O governo angolano quer eliminar todos os focos que constituem ameaça a sua existância, por isso a polícia excedeu no uso da força contra os manifestantes que contestavam o governo do presidente José Eduardo dos Santos no último sábado em Luanda. Esta é a análise do jornalista e analista luso-angolano Orlando Castro, que prevê ainda mais contestações. Entrevistei-o através da Deustche Welle, a rádio internacional da Alemanha:
Nádia Issufo: O que terá levado a polícia a reprimir violentamente os manifestantes?
Orlando Castro: Quanto a mim a repressão deveu-se ao temor que o regime tem de que os exemplos da Tunísia, do Egipto, e da Líbia possam ser transportados para Angola. É um receio legítimo por parte de um regime autoritário que quer de uma forma irracional e muito pouco democrática circiar o direito a livre expressão que os povos tem ou deveriam ter. E por isso, tendo uma situação similar o governo procurou cortar pela raiz tudo quanto lhe pareça poder vir a criar problemas.
NI: Acha que a mesma situação da Líbia, de guerra, pode se repetir em Angola?
OC: Não creio, estas manifestações são algumas sementes que vão ficando na terra e que acabarão por germinar, mas não me parece que alguma vez possamos assistir a uma situação similar a da Líbia. Desde logo elas são situações estratégicas geo-políticas diferentes e por outro lado a comunidade internacional não estará muito interessada em que Angola se passe algo semelhante. Também não estou a ver a possibilidade de um regresso a luta armada por parte da UNITA ou outra organização qualquer. Portanto, é de excluir qualquer semelhança do que se passou na Líbia, para o bem dos angoolanos em termos de guerra, não em termos de liberdade, porque os angolanos não tem.
NI: E porque acha que a comunidade internacional não tem interese em que aconteça em Angola a mesma coisa que está a acontecer na Líbia?
OC: Porque Angola tem uma posição geo-estratégica naquela zona de África, um pouco a semelhança do que é a Síria em relação aos países envolventes. Portanto, um foco de instabilidade em Angola poderia ser uma bola de neve para a região. Independentemente disso há os grandes negócios que se fazem com Angola, nomeadamente ao nível do petróleo, e levam a que a comunidade internacional procure ver se a situação em Angola evolui de uma forma mais favorável, mais pacífica. Todos tem esperança nisso, os próprios angolanos tem esperança nisso. Nada como aguardar para ver...
DW: O número de detidos divulgado pela polícia não coincide com o divulgado por testemunhas oculares na manifestação. Acha que existe alguma má intenção da polícia em relação aos detidos?
OC: Na minha opinião existe uma má intenção, uma pré-meditação, e toda uma estratégia de repressão, quer a nível da polícia fardada, quer ao nível da polícia secreta de Angola que estava a civil e que foram para a manifestação provocar os manifestantes de modo a que pudessem implementar a repressão. A polícia provoca os manifestantes e depois leva-os a julgamento, e o único ilícito que os manifestantes cometeram foi julgarem que poderiam dizer o que pensam. Mas como regime só permite que se diga o que o regime pensa, os manifestantes estão condenados a sempre que sairem à rua terem a força repressora do regime em cima deles.
NI: Os jornalista também não foram poupados pela polícia. No caso de jornalista estrangeiros, ou que trabalham para órgãos estrangeiros, o gesto pode ser interpretado como um aviso de não intromissão?
OC: O gesto pode e deve ser entedndido como uma aviso de que o regime não permite que a comunicação social diga o que lá se passa, porque mesmo que os jornalistas não estejam no local acabam por saber o que lá acontece. O regime ainda não percebeu isso, tem todas as características de uma ditadura do estilo eu quero, posso e mando, eles avisam os jornalistas desta forma, mas mesmo jornalista estrangeiros para entrarem no país, são poucos os que vão.
NI: E depois desta repressão da polícia, acredita que haverá mais contestações em Luanda?
OC: As contestações vão passar a acontecer de uma forma mais regular, se bem que a juventude e a oposição estão a ver que a solução por ai não vai a lado nenhum, porque a força repressora do regime é muito grande. Mas é óbvio que a repressão que o regime efectou desta vez, e das outras, mostra que o MPLA, o partido no poder, está com medo. E isso dá força para que a população entenda que através das redes sociais ou de outras formas a popluação entenda, com toda legitimidade, que deve vir para a rua manifestar-se, embora saiba a partida que está sujeita a ser castigada, e eventualmente a ser morta.
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