segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Tchizé dos Santos: Um passo exemplar mas a meta ainda se mostra inalcançável

“Ao pedir a suspensão do seu mandato de deputada, a filha do Presidente da República de Angola, Tchizé dos Santos, deu um exemplo de humildade e de reconhecimento dos seus erros por ter criado incompatibilidades entre os seus negócios privados e o papel de representante eleita do povo angolano...” Assim começa o artigo do jornalista e defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques publicado este mês. O assunto foi tema para uma entrevista com esta voz interventiva e crítica.



Nádia Issufo: O que significa o pedido de suspensão de Tchizé dos Santos como deputada?

Rafael Marques:
Do ponto de vista político tem um grande significado, porque, primeiro, revela que a pressão da sociedade, sobretudo dos jornalistas, funcionou, obrigou a Tchizé dos Santos a escolher entre ficar no Parlamento ou na gestão da televisão pública de Angola, onde assume funções de directora interina. Há uma comissão de gestão para a televisão pública e ela faz parte dessa comissão e o cargo que acumulava com o de deputada era incompatível.
Por outro lado é importante porque vários deputados do MPLA encontram-se na mesma situação; são presidentes de conselhos de administração de fundações, estão na gestão de empresas, são sócios maioritários de vários negócios que tem relações directas com Estado. Logo, o caso da Tchizé não é o único, logo revela que se a filha do Presidente é obrigada a sair do Parlamento porque está em situação de incompatibilidade, os outros deputados também devem fazer o mesmo e escolher entre ficar no Parlamento ou cuidar de outros negócios.

NI: Este gesto pode ser considerado como um exemplo a ser seguido, e mais ainda, o início de uma nova era no que se refere a incompatibilidade de funções?

RM:
Não será o início de uma nova era porque é um sistema que sobrevive dessa confusão, da promiscuidade política entre a função do Estado e o interesse privado. Simplesmente oferece uma oportunidade para que a sociedade possa pressionar, possa continuar a buscar maior rigor da parte dos gestores públicos para que estes, de facto, não se sirvam do Estado para os seus próprios interesses privados. E por outro lado devo dizer também que a própria Tchizé dos Santos continua em situação de incompatibilidade porque ela é sócia-gerente de uma série de empresa neste momento. Quer ser uma das maiores empresárias angolanas então é gestora de muitos empreendimentos, e esses cargos que tem no sector privado também são incompatíveis com a direcção de um órgão público porque o estatuto de gestor público proíbe os mesmos de terem funções no sector privado, que é o caso da Tchizé dos Santos. Logo, o exemplo da Tchizé dos Santos só será relevante como individuo se estender este exemplo também ao pedir a sua demissão da comissão de gestão da TPA, porque se ela não fizer isso terá apenas tomado uma meia medida que a manterá na mesma em situação de incompatibilidade de funções.

NI: Na sua óptica porque o Presidente angolano não toma medidas apesar de já ter começado a fazer denúncias, como disse no seu artigo, sobre a acumulação de funções por membros do seu Governo com a gestão privada?

RM: O Presidente não pode fazer porque ele é o principal promotor desta política e eu explico porque: o Presidente tem uma Fundação, grande parte dos curadores da Fundação são membros do Governo. Um exemplo: há ministros como a governadora de Luanda, que também é ministra sem pasta, é curadora da Fundação José Eduardo dos Santos e essa é uma situação de incompatibilidade, não pode ser de acordo com a lei angolana. Logo, o Presidente é o principal responsável por essa promiscuidade, ele próprio como Presidente da República tem funções de patrono e até de assistir as responsabilidades, de assistir a assembleias gerais da sua fundação, o que também não é ético da sua parte, porque como presidente da República não devia ter funções no sector privado.

Esta foi uma entrevista concedida à Deutsche Welle, a rádio internacional da Alemanha
http://www.dw-world.de/
Também pode ouvir a entrevista, selecionado a emissão da noite, em: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html

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