quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Escritor sueco Henning Mankell fala da sua relação com Moçambique

Henning Mankell: um sueco de nacionalidade, mas que leva Moçambique no coração. Famoso mundialmente pelas suas obras policiais, vive há 25 anos em Moçambique onde desenvolveu relações, segundo ele, profundas com instituições e figuras de renome na arena cultural. Para além das terras do Índico constituírem lugar de relativa calmia para si existem outras coisas que o ligam ao país. Num canto do Teatro Avenida, em Maputo, trocamos dois dedos de conversa e o autor falou de algumas delas e do motivo que o levou a Moçambique:






Henning Mankell: Eu penso que foi Moçambique que me escolheu. Eu sou sueco e cheguei à África pela primeira vez em 1972, tinha 20 anos. Como escritor jovem pensava que precisava de uma perspectiva diferente do mundo fora da Europa, e escolhi África. Depois cheguei fui para a Guiné-Bissau que nesse tempo ainda era uma colónia portuguesa, estou de facto muito velho. Mas vivi em vários países, como na Zâmbia por exemplo. Mas em 1984 quando algumas pessoas aqui como Manuela Soeiro e Lucrécia Paco estavam a pensar em criar o primeiro grupo de teatro profissional, a Manuela Soeiro convidou-me para falar com eles durante uma semana e já passam 25 anos...

Nádia Issufo: Alguma coisa forte o prendeu em Moçambique?

HM:
Foi um privilégio, uma grande aventura ter a possibilidade de trabalhar com estas pessoas com muito talento, de criar uma coisa, o primeiro teatro profissional no país. Como também uma sensação que não é importante que sou de uma outra cultura, sou do outro país, ou sou branco. O teatro não se interessa por essas coisas, mas sim pela comunicação. Para mim foi uma aventura todos esses anos.

NI: De alguma maneira se sente um pouco moçambicano por ter passado muito tempo em Moçambique?

HM:
Posso simbolicamente explicar que escrevi uma carta que esta na Suécia a dizer que se alguma coisa acontecer comigo, espero que não aconteça, posso ser enterrado aqui. Só para simbolicamente explicar...

NI: Como caracterizaria a sua relação com Moçambique?

Eu acho que tenho um a relação muito profunda. Basicamente penso que o respeito que tenho pelo país e pelo povo é baseado na forma como vi e vejo que o povo luta contra o único problema que existe no país, a pobreza. Porque todos outros problemas estão ligados a pobreza. Com a dignidade, alguma força, o povo luta contra esta pobreza. Isto é pra mim tão impressionante...

NI:Vive cá há 25 anos, o que viu evoluir durante este tempo?

HM:
Houve muito desenvolvimento. Quando cheguei aqui, fiquei fora do teatro ver as pessoas a passarem e quase ninguém tinha sapatos. E lembro-me também que no primeiro ano de trabalho estranhei o facto de que depois de duas horas d trabalho os actores ficavam muito cansados, não se compreendia. Mais tarde percebi que era fome. A dona Manuela e eu arranjamos comida.
Agora aqui todas as pessoas têm sapatos, dois, três, quatro pares de sapatos....
Claramente estou a ver um grande desenvolvimento. Mas a coisa mais importante é que há paz que esta cá pra ficar. Lembro-me também que há sete anos passei pela cidade e vi pessoas a pintarem as suas casas e pensei: quando as pessoas pintam as casa é porque tem confiança na paz. Porque se as pessoas não têm confiança não fazem isto.
Eu vi um desenvolvimento muito grande, mas há uma grande sombra. A pobreza é um problema muito grande. Tu sabes que ainda há 75% de analfabetismo, que é uma vergonha. E com a pobreza também chega a corrupção e todos os outros problemas. Acho que o país ainda tem uma rua longa para andar. Prefiro falar dos sapatos como o símbolo do desenvolvimento.

NI: Sei que a sua fama é muito grande no mundo e principalmente na Europa. Viver em Moçambique trás-lhe algum sossego uma vez que passa meio despercebido e as pessoas não o conhecem cá?

HM:
É verdade que na Europa sou um tipo de celebridade, as pessoas conhecem-me. Acho que os meus livros estão vendidos em mais de cem países e traduzidos para quarenta línguas. Eu vendo milhões de livros. Para mim viver em Maputo é mais calmo, porque há muitas pessoas que não sabem nada sobre a minha pessoa, que bom! Porque é mais calmo.
Por outro lado tenho muitos amigos aqui com quem falo e trabalho, como a Manuela Soeiro, Lucrécia Paco, com quem trabalhei muitos anos, e Mia Couto o escritor. Para mim é muito bom estar aqui porque o telefone não toca muito, eu posso trabalhar mais calmamente.

NI: E não há muitos flashes de máquinas fotográficas?
HM:
Acontece... mas não é como na Europa.

NI: Quantos livros escreveu ate agora?

HM:
Acho que escrevi quarenta e tal livros, não sei... Trabalho muito. Acho que é melhor dizer isso. Penso que quarenta e dois livros escrevi até agora.

NI: Qual deles foi mais marcante para o Henning?

HM: Esta é uma questão que francamente não quero responder porque os livros são como os filhos. Não quero responder esta questão. Quero pensar que em cada livro há alguma coisa que gosto muito. Não posso falar como as crianças que prefiro uma criança em relação à outra.

NI: A mesma filosofia se aplica as pecas teatrais?

HM:
Exactamente!Tenho que gostar e amar todo o trabalho feito aqui. Penso que seria mais fácil dizer cinco ou seis peças seis ou produções que foram muito boas, mas é melhor não dizer nada. Eu sempre penso que o trabalho do momento vai ser sempre o melhor que os anteriores.

Outubro de 2008, Maputo

Esta foi uma entrevista concedida à Deutsche Welle, a Rádio internacional da Alemanha:
http://www.dw-world.de/

Também pode ouvi-la em:
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,3773261,00.html

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