O constitucionalista moçambicano Gilles Cistac diz que, para criar uma 
"república autónoma", como pede a RENAMO, seria preciso mudar a 
Constituição. Mas isso não se aplica à criação de "províncias 
autónomas". 
  
Afinal, as exigências da RENAMO de uma 
governação autónoma
 nas províncias em que obteve a maioria dos votos nas eleições de 
outubro passado não são tão absurdas ou infundadas, como acusam os 
críticos. Quem assim o considera é o moçambicano Gilles Cistac. No passado dia 2 de Fevereiro entrevistei-o para a DW África. Ele diferencia o conceito de
 "república autónoma", termo que usa o maior partido da oposição, de 
"governação provincial autónoma".
DW África: O que diz a Constituição de Moçambique sobre regiões autónomas?
Gilles Cistac (GC): A Constituição não fala de regiões autónomas,
 por isso não devemos associar o conceito de "regiões" a autonomia. 
Senão, seria necessário fazer uma reforma constitucional. Mas é possível
 falar de "províncias autónomas", porque, segundo a alínea 4 do artigo 
273 da Constituição, o legislador pode estabelecer outras categorias 
autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do 
município ou da povoação. Ou seja, hoje em dia há apenas autarquias 
locais de nível municipal, mas se, amanhã, o legislador quiser criar 
províncias como uma autarquia local pode fazê-lo. É possível transformar a província numa autarquia local, o que 
significa criar uma nova pessoa coletiva de direito público, uma nova 
entidade jurídica, com autonomia. Porque a autarquia local tem autonomia
 administrativa, financeira e patrimonial.
 
DW África: Acha que é com base neste fundamento legal que a RENAMO vai negociar com o Governo da FRELIMO?
GC: A minha opinião é pública e creio que os negociadores da 
RENAMO estão atentos a ela. Não posso impedir que eles a utilizem no 
diálogo. Para mim seria até uma boa solução, de compromisso, para a 
solução de uma tensão político-militar bastante aguda.
Também defendi a ideia da técnica legislativa da "lei experimental". Ou 
seja, pode-se experimentar este modelo apenas em algumas províncias 
durante um determinado período de tempo – entre três a cinco anos, por 
exemplo. Depois se avaliaria se o novo modelo de gestão, uma autarquia 
local de nível provincial, é ou não sustentável, ou se é preciso fazer 
correções. No termo desta experimentação, o Parlamento poderia estender 
este modelo a todas as províncias do país.
DW África: A RENAMO terá suficiente preparo legal para poder jogar 
com este fator? Por exemplo, aquando das revindicações relativamente a 
irregularidades eleitorais, o partido não soube agir devidamente, algo 
que o prejudicou…
GC: Penso que a RENAMO deve preparar um projeto mais consistente.
 Porque esta questão da autonomia levantará problemas relativamente às 
competências ou financiamento das províncias, por exemplo. Se uma 
província tiver um orçamento próprio será preciso criar receitas ou 
transferir receitas do Estado… Será também preciso definir o 
relacionamento entre o atual governador e esta nova entidade, além do 
relacionamento entre as autarquias locais, de nível municipal, e a 
província.
 A RENAMO deve estar preparada, do ponto de vista técnico, para este 
leque de problemas. O partido terá de demonstrar a sustentabilidade do 
seu projeto. Os assessores da RENAMO deviam ter em conta esses aspetos 
para convencer o Governo – se o projeto fica "no ar" é claro que o 
executivo não avançará com isso.
DW África: O que significaria a efetivação de uma governação 
provincial autónoma para o sistema de governação de uma maneira geral?
GC: Significaria criar uma nova entidade jurídica, com uma 
autonomia organizativa e financeira, significaria também ter uma 
política específica ao nível provincial e uma gestão patrimonial 
autónoma. Esta visão de autonomização será um salto qualitativo muito 
importante em termos de democracia local. As populações vão eleger 
pessoas que vão gerir a província e vão poder fiscalizar [mais de perto]
 a aplicação do programa eleitoral.
Mas tudo isto não significa o desaparecimento do governador. É claro 
que, com a implementação desta figura da autarquia local de nível 
provincial, os governadores perderiam muitos poderes. Nesta nova 
conjuntura de democracia local eles só iriam controlar os atos 
praticados pela nova autarquia, que é a província.
Pode ouvir aqui a entrevista:  http://www.dw.de/constitui%C3%A7%C3%A3o-mo%C3%A7ambicana-possibilita-prov%C3%ADncias-aut%C3%B3nomas/a-18230646
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